29 novembro 2009

Covilhã

Tem sido surpreendente este descobrir que pertenço um pouco a uma terra onde não nasci, onde nunca vivi e onde não fui durante 30 anos. Voltei agora e lá tenho tratado de assuntos bem prosaicos. São esses que também sustentam os laços.

A pouco e pouco voltam pontas de memórias, sempre muito frias, à volta da camilha, ou muito quentes, em frente a um castanheiro gigante, coberto de ouriços, que entrava pela janela da cozinha. Claro que há também recordações de iguarias, algumas bem locais, mas isso será assunto para outros posts.

20 outubro 2009

Outono

Época de muitos projectos, cadernos novros, livros forrados de fresco. A idade foi mudando mas o outono continuou a ser isso mesmo - tempo de preparação. Este ano tem sido também tempo de recuperação. Depois de vários anos por outras paragens, por outras casas de que só em parte me apoderei, a relação com a decididamente minha está um pouco abalada.

Assim, tem sido tempo de organização, arrumação e depuração. Há que reduzir, embora saiba que o espaço ganho vai ser rapidamente ocupado pelo produto da minha actividade de respigadora.

A casa vai-se tornando cada vez mais um puzzle de bocadinhos de outras casas, umas que me viram crescer, outras de gentes com histórias que jamais conheci. Os passeios da cidade estão sempre ali. O que seria da minha casa se não houvesse quase sempre ao lado um "Oh mãe, isso não!" ...

Estes senhores foram apanhados há talvez 7 anos na Elias Garcia, numa manhã de sábado cheia de sol. Estão em frente à minha porta de entrada e, para além de fazerem sorrir fornecedores, têm tido um papel importante na evolução dos netos. Começam por ter muito medo deles e pouco a pouco vão-os enfrentando com crescente à vontade. Aos 18 meses o assunto está resolvido.

Quanto a mim, acho-os muito úteis, para além de me continuarem a fazer sorrir, após tantos anos. Nestes dias têm-me ajudado a põr um pouco de ordem por estes lados, enquanto os vou entretendo com um peixe das ilhas Bijagós.

15 outubro 2009

Cadeiras?

Fotografia de Cristina Salvador
E
Design de Kenneth Cobonpue

E por vezes, lá como cá, as cadeiras viram tronos.

12 outubro 2009

Máquina nova

Aconteceu! Comprei uma máquina fotográfica. Agora terei que ler as instruções, operação que detesto e que adio sempre até nunca. Entretanto vou aprendendo o mínimo, aqui e ali à medida das oportunidades e dos mais disciplinados do que eu.

Vão-me fazer falta uns certos amigos que partiram há semanas para Bissau e que deixei de ter ali, mesmo à mão, prontos a resolverem qualquer dúvida tecnológica que surgisse.

Adoro a minha máquina embora isso não impeça que não tenha ainda conseguido colocar uma única fotografia neste blog. É essa uma das razões desta lamentável paragem. As outras têm sido problemas informáticos em cascata e uma certa aflição quando ao interesse deste blog, feito a partir de Lisboa. Textos não faltam mas será que se justificam?

Obrigada de qualquer maneira a todos aqueles que pacientemente têm esperado pelo fim do bloqueio e até me têm repetidamente encorajado. Esperança! Isto há-de ter um fim.

27 setembro 2009

2º volta

Enquanto por cá me deixava embalar pelo barulho das ondas, em Bissau, à beira de águas silenciosas, teve lugar a 2ª volta das presidenciais. O período de campanha decorreu sem incidentes e o dia da votação, como sempre, foi uma grande lição de democracia dada ao mundo.

A Guiné-Bissau no seu melhor, justificando o aumento da ajuda internacional.

Escrevo estas linhas depois de ter ido votar, em Lisboa, para as legislativas. Tomo consciência de que em menos de um ano terei seguido de perto 6 momentos eleitorais (3 cá e 3 lá). Não sei é muito bem o que é o cá e o lá.

26 setembro 2009

Peixes

Acho emocionante recolher, apanhar, o que quer que lhe queiram chamar. Uma árvore com frutos, uma horta (como adoro hortas bem arrumadas!) bem recheada, um barco prestes a chegar da faina são programas a que não resisto.

No caso do peixe o entusiasmo é maior ainda porque há uma dose de suspense. A rede virá vazia? Serão muitos os peixes? De que feitios? Será que mos vendem?

Fomos pois ao porto de pesca. Muito pequenino, lá no fundo. Os dois barcos já tinham chegado e o produto da pesca apenas cobria o fundo do alguidar. Quase nada e já guardado para amigos.

Desiludida, regressei a casa pronta a fazer uma pratada de peixinhos da horta. Ficaram muito bons, embora na fotografia possam parecer um pouco oleosos.

E a cobrir a mesa, lá esteve sempre presente a Guiné-Bissau, mais precisamente o mercado do Bairro Militar.

25 setembro 2009

Durante quinze dias tive direito àquilo que, diariamente, me fazia sonhar um pouco em Bissau, a saber:

Torradas fininhas de pão alentejano, muito bem passadas, com pouca manteiga

2 cafés curtos 2

Público em papel

Tive tudo isto para além dos netos, com direito a uma ou outra birra e tudo.

Como pano de fundo, o barulho do mar, o cheiro a algas e as falésias de pedra negra. Belas, de cortar a respiração. Muita coisa que não tive nesse "plat pays qui est (aussi) le mien".

Logo, não me faltou nada.

24 setembro 2009

Férias

As férias foram alentejanas, numa aldeia que já foi. Agora, com direito a rotunda e 1º andar, vendeu a alma ao habitual triste desenvolvimento.

Mas o mar continua lá e também as dunas, fazendo-me recordar outras da minha adolescência por onde escorregavam os mais afoitos. Era o nosso surf, numa época em que tal não existia e num lugar onde o mar não o teria aconselhado.

Acabaram com elas há muito, em troca duma piscina, onde nunca fui, e duma marginal. Passados 40 anos começa a haver, apesar de tudo, um pouco mais de cerimónia nas decisões. Mas as dunas de S. Pedro de Moel já lá não estão. Não voltarão.

16 julho 2009

Olhar de partida

Viver num país tão pobre obriga-nos a construir algumas defesas que nos permitem dizer que não a quase tudo o que as crianças e jovens nos querem vender, que nos impedem de autorizar a lavagem do carro duas vezes por dia e que, sobretudo, nunca por nunca nos deixam cair na tentação de dar dinheiro a crianças de lata estendida.

É difícil tudo isto e quando a partida se tornou uma realidade palpável, isto é, quando comecei a tropeçar nas caixas, a fazer nódoas negras nos fechos das malas abertas por todo o lado, o olhar modificou-se e as defesas foram caindo. O carro passou a ser lavado mesmo perante a chuva iminente, as mangas passaram a ser compradas ao fim da tarde, quando sei que as pequenas vendedoras já não têm a quem as vender e vão ter que fazer a caminhada de regresso a casa com a bandeja carregada com 2 ou 3 quilos que era suposto já não estarem lá.

É o olhar que é outro e de cada vez que penso que vou deixar de ver todos os dias o Baba que me traz de imediato o pequeno almoço, mal atravesso a porta do Ponto de Encontro, autorizo-me o impensável há semanas atrás, à laia de compensação. E as mangas atafulham o frigorífico apesar de saber que já não vou ter tempo ou paciência para fazer mais chutney.

Talvez a solução ainda passe por ir vender algumas aos observadores eleitorais que estão agora a regressar para a 2ª volta das presidenciais.

14 julho 2009

Bastilha

Esta capulana foi-me oferecida em Moçambique, há 21 anos, aquando da visita que fiz à Texlom, na Matola. Tinham passado 16 anos desde a inauguração desse gigante da indústria têxtil e os tempos não eram facéis para Moçambique, em plena guerra civil.

Maputo era então uma cidade cercada e ir à Matola, nos seus arredores, era o máximo que se podia ousar. A empresa beneficiava, desde 1986, de um programa de reestruturação do governo francês e embora fosse evidente a parilisia, pude ver uma ou outra máquina a trabalhar. De uma delas saíam capulanas a perder de vista, coloridas como geralmente são as capulanas. Quando me aproximei pasmei com o desenho.

Estávamos no ano das comemorações do bi-centenário da Revolução Francesa que tanto empolgaram a França. Muito longe, alguém daquele projecto da cooperação francesa pôs as máquinas a trabalhar em conformidade com o momento. Devo dizer que este facto me chocou um pouco por ter achado que o financiador se estava a aproveitar do beneficiário, a sujeitar a cultura local aos interesses culturais estrangeiros. Chocou-me, mas divertiu-me, pois conhecia a polémica que tinha havido em França acerca de quem iria substituir a Brigitte Bardot como modelo para o busto da Marianne. Escolhera-se a Catherine Deneuve e, eis senão quando, ela muda de cor de pele por decisão de alguém, no outro lado do mundo.

Agora, olhando para este pano de belíssima qualidade, sorrio e alegro-me com a universalidade dos valores. Mas não posso deixar de pensar que se ele tivesse sido feito por um projecto apoiado pela cooperação francesa na Guiné-Bissau era quase certo que ao lado de "Les hommes naissent et demeurent libres et égaux en droits" teria sido escrita a tradução em crioulo e não em português, como na minha capulana moçambicana.

03 julho 2009

Chutney

Há anos que nesta época, quando os passeios de Bissau estão transformados em longas passadeiras de mangas, eu planeio fazer chutney.

Adoro cozinha indiana, talvez seja mesmo a minha preferida, e é sempre com uma ponta de emoção infantil que vejo colocar na mesa as taças com os molhos e os nans ainda quentes. Dos molhos, o chutney, mais doce que molho, é o meu preferido.

Pois foi este ano, aproveitando a presença em Bissau da minha amiga Isabel, que meti mãos à obra. Bom, metemos, e com a Mónica de máquina em riste, a registar tudo. Consultámos várias receitas, construímos a nossa, estudámos o assunto porque ele não podia ser tratado com leviandade. O resultado foi aprovado. Colocámos em boiões, virámo-los de pernas para o ar, segundo os preceitos divulgados aqui, no blog da Xuxudidi. Só falta abri-los para verificar se a história do vácuo é verdadeira.

Desde miúda que leio receitas de doces e compotas que segundo os meus padrões da época, inspirados seguramente no ritual de verão religiosamente cumprido pela minha mãe, eram atributos duma mulher/mãe perfeita. A parte que dizia respeito à esterilização era aquela que mais me intrigava por nunca ninguém me ter explicado esse fenómeno que dá pelo nome de vácuo. Desisti há muito de entender, pelo que ele conserva todo o charme do mistério.

Aqui deixo a receita do nosso Chutney de Manga:

6 chávenas de manga cortada em cubos ♦ 3 chávenas de vinagre de vinho branco ♦ 2 chávenas de açúcar mascavado ♦ 1 colher (sobremesa) de gengibre picado ♦ 1 cebola picada ♦ 1 dente de alho picado ♦ 5 cravinhos ♦ 1/4 colher (café) de cominhos em grão ♦ 1/2 colher (café) de coentros em grão ♦ 1/4 colher (café) de grãos de mostarda preta ♦ 1/4 colher (café) de nigella (sementes de cebola ♦ 1/2 colher (chá) de açafrão das índias (turmeric, curcuma) ♦ 1/4 colher (café) de canela em pó ♦ 6 cardamomos pisados ♦ 6 grãos de pimenta preta ♦ 1 colher (chá ou café, a gosto) de flocos de malagueta ♦ 1 colher (sopa) de sumo de lima ♦ sal

Pisar as especiarias em grão e em pó num almofariz e levá-las ao lume numa frigideira aquecida, para soltar o aroma. Aquecer o vinagre com o açúcar, até este ficar dissolvido, mexendo com uma colher de pau. Juntar a manga e os restantes ingredientes e deixar ferver até engrossar (cerca de 30 mn). Depois de pronto, retirar as cascas dos 6 cardamomos e guardar em frascos esterilizados.

02 julho 2009

Animação

Fotografias de Helena Ferro Gouveia

Com as eleições presidenciais, Bissau encheu-se de jornalistas e observadores, os primeiros de rádios, jornais, revistas e televisões de muitos lados e os segundos de organizações multilaterais - CPLP, UE, UEMOA, UA. Todos juntos transformaram a cidade.

As conferências de imprensa sucedem-se, todos sabemos para que horas estão marcadas. Para lá convergem profissionais mas também populares cuja curiosidade é autorizada e satisfeita. São testemunhas dos acontecimentos, provando a sua transparência. As ruas são, em seguida, cruzadas por colunas de viaturas com livre-trânsito e todos sabemos de onde vêm.

A cidade está pois mais animada e há no ar grande curiosidade acerca da 2ª volta que pode tornar-se rapidamente em inquietção. Não posso deixar de me congratular com o facto de a nossa partida de fim de ano lectivo estar há muito programada para 18 de Julho.

28 junho 2009

Eleições

Os últimos tempos não têm sido fáceis para mim e isso traduziu-se num longo silêncio. Há assuntos difíceis de referir ou por serem demasiado dolorosos ou por serem delicados e não ter ainda chegado a sua hora.
Eterna despedida de um grande amigo. E eu não estava lá.

Mas hoje é dia de eleições e o ambiente é especialmente calmo na cidade. Quero deixar isso registado. A circulação está limitada aos carros com livre trânsito o que permitiu que chegássemos ao centro em poucos minutos. Compreende-se por que razão as ruas estão permanentemente cortadas, ao sabor das deslocações dos presidentes. Apenas durante o mandato de um dos candidatos actuais o Presidente se deslocava ao aeroporto sem corte de estrada. Os batedores bastavam para facilitar a passagem, como em qualquer país democrático. Mas não há dúvida que se chega mais depressa ao destino quando nada temos pela frente.

Nas eleições legislativas de 2004 fui observadora eleitoral, o que me permitiu ter uma das experiências mais fortes de sempre. Fui destacada para a região de Ingoré, para norte do rio Cacheu, já perto do Senegal. Visitei cerca de 30 tabankas, algumas a mais de 20 km da estrada, perdidas no meio de cajueiros, e o que vi foi sempre igual: filas de gente de todas as idades esperando pacientemente pela sua vez, mesas de voto instaladas conforme as regras, representantes dos partidos a cumprirem o seu papel, crachats ao peito de todos. Apenas as pequenas cabinas de voto oferecidas pela UE não tinham sido montadas por ter sido impossível entender como fazê-lo. E para falar verdade não fizeram falta nenhuma já que um pano pendurado numa árvore fez bem o serviço.

Pelo contrário, candeeiros teriam sido muito úteis pois o trabalho bem feito demora tempo e a contagem dos votos obedece a procedimentos que não podem ser abreviados. Abrir o voto, mostrá-lo a todos os membros da mesa, um por um, registar o número de votos em cada candidato, somá-los aos nulos, brancos e boletins não usados não é coisa que se possa fazer a correr e a noite vai caindo. Usaram-se velas mas temos que concordar que não é tarefa fácil. O nervosismo com que se vivia o escurecer era grande.

Hoje acordou-se e olhou-se para o céu e as opiniões dividiam-se, como sempre, entre os optimistas e os pessimistas. Mas, em Bissau, já está mesmo a chover. Se tal acontecer no interior, as mesas de voto ao ar livre vão ter que ser deslocadas e vai anoitecer mais cedo.

Na sexta-feira foi dia dos comícios de fim de campanha, em Bissau. Dois dos três grandes tiveram lugar na mesma avenida, lado a lado. O assunto foi resolvidao da forma mais simples, como sempre acontece por aqui. Esticou-se uma corda entre as duas assistências e apenas estava vedada a passagem, dum espaço para o outro, a quem exibisse símbolos de propaganda (geralmente uma t-shirt). Digam-me em que outro país se podia passar algo semelhante.

E, no entanto, estas eleições têm lugar porque há 3 meses, numa mesma noite, assassinaram o Presidente da República e o Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas. É bom lembrá-lo porque já não se fala, há muito, de tal facto. Terá sido mesmo neste país? Impossível não sentir que há dois países num só, regendo-se por princípios incompatíveis e que essa é a desgraça deste povo.

Escuso de dizer que a expectativa é grande quanto ao resultado das eleições, já que muita coisa no futuro da Guiné-Bissau vai depender dele.

18 junho 2009

Mercados

São para mim um dos interesses maiores de qualquer viagem. Há quem vá aos museus todos os dias e passe horas a admirar maravilhado as obras que conhece há muito. Pois bem, comigo também é assim só que as obras de arte estão sempre a mexer, sorriem mostrando-me as maravilhas que levaram para mim. E eu fico espantada com aquela cor toda e com aquilo que me parecem cenários de um espectáculo que está sempre a acontecer. Mexo-me no meio dos figurantes e sinto-me um deles.

Gosto de todo o tipo de mercados. De legumes, de flores, de velharias, de livros. Até gosto das bancas de ferramentas, eu que jamais saberei o que fazer com elas. Passeei-me por alguns que me marcaram pelo tamanho, pelo exotismo e beleza. Mas encantam-me também outros minúsculos, duas ou três bancas numa esquina de Manhattan, mercado de legumes num bairro chique de Paris.

Em Bissau, temos o célebre Bandim que não sendo muito grande quando comparado com os mercados de Luanda, por exemplo, é suficientemente confuso para merecer uma visita de vez em quando. Só que ultimamente comecei a achá-lo muito pouco guineense, cheio de vendedores dos países da região (senegaleses, conakris e gambianos, sobretudo). Vendedores que não dão tréguas, nos pressionam até à exaustão. Depois de ter sido roubada, quebrou-se o encanto. Nunca mais lá fui.

Antes, contudo, tinha descoberto o mercado do Bairro Militar que me encanta pelo ambiente familiar. Tudo se passa ao ar livre, há artesãos a trabalhar, há vendedeiras com as bancas arrumadas com cuidado. E, sobretudo, há crianças por todo o lado, à volta das famílias, porque as casas de habitação estão mesmo ali. O ambiente é alegre e percebe-se que toda aquela gente nasceu nesta terra e a esta terra pertence.

Gosto muito do mercado do Bairro Militar.

17 junho 2009

Ostras

Declarar que vivo em Bissau causa sempre grande impacto. Surpresa, certamente, mas também curiosidade. No que respeita aos homens da minha geração, há fortes probabilidades de que tenham estado aqui na guerra colonial. E as reacções são sempre entusiastas, o que me intriga muito. Como se pode ter saudades duma terra para onde se foi mandado para fazer a guerra e onde se comeu o pão que o diabo amassou? O clima é péssimo, a colónia foi sempre a mais pobre e mais indesejada, a guerra a mais feroz. O que se passou entre os dois lados para que as memórias se lavassem do horror e persistisse a vontade de voltar?

São sempre as gentes que evocam com grande ternura, diga-se. Depois referem os pequenos prazeres, as vindas a Bissau e ... as ostras. Parece que se comiam em cada canto da cidade, a todas as horas. Durante a minha já longa estadia sempre tive que me deslocar a Quinhamel, a cerca de 30 km, para as comer, o que no início não era fácil dado o mau estado da estrada. Agora descobri que também as há em Bissau, no Oásis, ao pé do que resta do porto.

Para quem gosta das ostras cruas, estas ostras são outra coisa. São postas na chapa para abrirem muito levemente, o suficiente para que se consiga terminar o trabalho à mesa. São pequenas e se quem as assa se descuida transformam-se nuns pedacitos secos e encaracolados.

A experiência de comer ostras na Guiné-Bissau não é pois tão entusiasmante como a de as comer à beira-mar na Bretanha mas é apesar de tudo um programa para quem gosta de cortar a rotina do dia-a-dia. Pormenor muito importante: são servidas com um pires com sumo de limão verde e malagueta picada onde se mergulha o animal. Delicioso!

Em Bissau vendem-se ao sábado de manhã, sempre no mesmo local, à sombra de árvores. E lá estão os limões, ao lado. Naquele dia havia boa disposição por ali e até houve quem ensaiasse uma dança.

Água

A propósito de água registo aqui que teve início há dias a fase da chuva nocturna. Acorda-se de manhã e sob um sol abrasador lá estão as poças de água a atestá-la. Nesta época é ainda mais difícil de aceitar como normal que grande parte da população viva condicionada pela falta de água. Condiciona tudo mas sobretudo o futuro de mulheres e crianças, especialmente raparigas. Muito mais importante do que ir à escola é garantir o abastecimento de água à família o que significa transportá-la à cabeça durante longas caminhadas. Nos bairros de Bissau há aqui e ali um fontanário mas no interior essas caminhadas são muitas vezes de kms.

A escola vem depois e muitas vezes não vem. A água sim, é essencial à sobrevivência de todos.

A vida está assim condicionada pelas dificuldades de acesso à água embora ela, durante meses, vá correr a jorros, arrastando tudo.

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Tivemos hoje a primeira manhã de chuva e tudo indica que ela continuará durante a tarde. Chuva simpática uma vez que esperou pelo fim do III Torneio de ténis da Cooperação Portuguesa e pela pintura do mural da Escola Limpa (ambos os acontecimentos tiveram lugar ontem).

Agora chegou o momento de todos aqueles que se lamentavam por a chuva não ter ainda chegado em força passarem a lamentar a lama, os mosquitos e, claro, a própria chuva.

12 junho 2009

Arcas

Sempre adorei malas de lata que associo a sotãos e a longas viagens de barco, em tempos idos. Pois bem, vim encontrá-las em Bissau, transformadas em objectos decorativos. Dado o pouco artesanato local existente, elas resplandecem à beira da estrada do aeroporto. São feitas por artesãos imigrados e, se conseguirmos explicar-nos, podem mesmo ser feitas por medida. Mesmo com recurso a papel pode não ser tarefa fácil.

Na minha família elas são o sucedâneo da arquinha da minha infância onde eu guardava os fatos das bonecas, primorosamente feitos pela minha mãe, e onde agora residem os meus mapas de viagem. As filhas ainda tiveram umas, feitas por um artesão já bem idoso com oficina no Chiado, mas as netas, de acordo com os tempos de multiculturalidade e globalização, tiveram direito a algo mais exótico.

06 junho 2009

Fruta

Estamos em pleno apogeu da fruta, uma verdadeira orgia ao longo dos passeios do centro de Bissau. As vendedeiras, estrategicamente colocadas, são minhas conhecidas de há muitos anos, chamam-me pelo nome mal me avistam . Para uma delas sou a Heleninha e é especialmente engraçado ouvi-la ao longe ...

Para quem goste de frutos tropicais a Guiné-Bissau é o paraíso porque eles têm aqui um sabor inegualável. As mangas (mangos como aqui se diz), em especial, parecem um outro fruto quando comparadas com aquilo que se vende em Portugal e a que se dá o mesmo nome. Mango de faca, fernandinhos, mango de terra, mango da Índia, são algumas das espécies.

E imginem que há quem compre, à peça, maçãs de aviário, importadas, daquelas em que nem toco em Portugal. Como se pode ter saudades de tal produto?

Tenho planeada para um serão desta semana, uma sessão de cozinhados com uma amiga, para fazermos chutney de manga. Darei aqui conta do resultado.

Nas fotos, de cima para baixo: muitas e variadas, jaca com companhia, abacates, fruta-pinha, papaias, fole e papaias, mangos de faca.

05 junho 2009

Chuva?

A tal chuva que veio na hora marcada desapareceu desde então. O calor é abrasador e a humidade é tanta que até parece ver-se no ar.
Entretanto, espera-se que reapareça em Bissau já que há notícias dela no interior. Sabe-se que não tarda, que deve estar ali mesmo, ao virar da esquina.

03 junho 2009

Jaquim Doido

Fotografia retirada daqui
Parece que o nome é mesmo crycetomis gambianus e que se trata de uma espécie de rato oriundo da África sub-sariana, mais especificamente da Gâmbia que lhe ficou agarrada ao nome. Trata-se de um rato gigante, com cerca de 1,5 kg, que se tornou célebre quando passou a ser utilizado na detecção de minas em Moçambique. Muito mais leve do que o cão, o que evita o rebentamento, consegue como ele detectar a localização da mina anti-pessoal permitindo rendibilizar o trabalho dos técnicos altamente especializados e pagos a peso de ouro. É só preciso treiná-lo para tal.
Por aqui a sua popularidade deriva de coisa bem mais divertida, embora relacionada, e o seu nome transforma-se em conformidade para Jaquim Doido.
Naquele dia de compras no recém-descoberto mercado do Bairro Militar, havia risos e correrias nervosas à volta de um buraco, no fundo do qual um rapazinho tentava pôr a descoberto um Jaquim Doido que teimava em não aparecer. Havia nervoseira no ar pois trata-se de animal que carrega consigo uma história empolgante. Dizem todos que ele rouba objectos, no que segundo penso não é original já que noutras paragens se conta o mesmo das pegas.
Só que neste caso há hipótese de recuperarmos os haveres se embebedarmos o ladrão. Garantem-me que ele (seguramente aos tombos e talvez às gargalhadas) vai à cova onde os guardou e simpaticamente desenterra-os para bem de todos.
Só falta saber como se embebeda o animal se, naquele dia, estava a ser tão difícil apanhá-lo.