29 maio 2009

"Cantinas"

Em cada escola há duas ou três, pelo menos, colocadas estrategicamente junto ao portão, quando existe, ou instaladas em pleno recreio quando o acesso é livre. Quase sempre debaixo de uma árvore.
Na Escola Salvador Allende está mesmo junto ao tal já célebre telheiro (aqui) que foi por fim inaugurado há dias (as greves não ajudaram). Neste caso o acesso não podia ser mais livre já que o recinto da escola serve de passagem à população. Na Escola Jorge Ampa o recreio serpenteia entre as barracas de quiritim e espaço não falta para que se instalem aí as "cantinas" locais.
Mas nas escolas mais centrais, o equipamento fica à porta.
Dentro ou fora, é sempre um local muito frequentado por alunos e professores. Disponibiliza um menu pouco variado: fruta que depois da época da laranja descascada é agora manga e pedaços de kuduro com recheios variados. Um dos mais apreciados é esparguete com um molho qualquer e mayonnaise. Lamento ter-vos dado esta notícia. Era escusado ... mas não resisti a partilhá-la.
A exploração do negócio é sempre assunto de mulheres e portanto de muitas crianças também.

25 maio 2009

Espelho meu (3)

A minha amiga Alice deveria ganhar um prémio de elegância tal a beleza das suas toilettes. Deixou-se fotografar hoje, no meu gabinete, e prometeu que vai passar por lá de vez em quando para eu poder rechear o meu blog. Ela sabe que eu espero há anos pela oportunidade de a fotografar.
Mas não é só ela. Passear pelas ruas e mercados é assistir a verdadeiras passagens de modelos que apetece fotografar na íntegra. As guineenses são vaidosas! Mesmo quando muito pobres elas mantêm uma postura de enorme dignidade, caprichando sempre na apresentação. Felizmente, porque isso leva-as a manter bem viva a sua auto-estima. As toilettes até aos pés, muito coloridas, incluem geralmente turbantes – verdadeiras esculturas em pano. Parece-me sempre que o Frank Gerry anda por aqui a dar uma mãozinha.
Como se tivesse adivinhado o meu post, a Maria, empregada no Bairro da Cooperação, apareceu hoje com um turbante a combinar com a sua bata de trabalho.

23 maio 2009

S.O.S.

Recebi da Embaixada um pedido de socorro, mas daqueles de que eu gosto. Um semanário de Portugal precisava de material sobre um/a jovem guineense para o próximo suplemento Júnior, dedicado à Guiné-Bissau. Mandavam o equivalente já publicado sobre um jovem de S. Tomé e Príncipe, para se ter uma ideia. Explicavam que a história da criança deveria deixar perceber as particularidades da cultura guineense. Quanto a isto, nada mais fácil. A distância entre o dia-a-dia de um jovem guineense e o de um português é imensa.
Explicavam também que, apesar da urgência do pedido, era importante que o suplemento pudesse contar com a entrevista, evitando-se assim que se atribuísse a falta dela à instabilidade do país.
Fez-se! e a imagem da Maimuna que tanto deseja um dia ir para Portugal com uma bolsa de estudo para tirar Medicina, vai andar por esse país muito proximamente, nas mãos de todos.
O material que enviei foi considerado fantástico o que não foi virtude minha. A história da Maimuna tinha vários ingredientes de sucesso: religião muçulmana, mãe de etnia diferente da do padrasto, família numerosa vivendo sob o mesmo tecto, irmãos de pais diferentes, alimentação bem guineense, papel importante nas tarefas domésticas, duas línguas maternas nacionais e aprendizagem do português na escola... Além disto fiz questão que fosse uma rapariga.
Resta agora saber se as fotografias têm a definição necessária. Mais uma vez tropeço no problema das fotografias. A primeira coisa que vou fazer em Lisboa vai ser comprar uma máquina e juro que, pela primeira vez, vou ler um manual de instruções com todo o cuidado. Vou estudá-lo!
O que não se faz por um blog?!
Na fotografia deste post a Maimuna tem, como fundo, salas de aula em quiritim e na árvore pode-se ver pendurada uma jante que nas escolas guineenses funciona como sino para marcar o início e o fim de cada aula.

20 maio 2009

Pão nosso

Encontra-se em todo o lado, a toda a hora, em bacias, rente ao chão, na beira do passeio. Os inconvenientes são aqueles que facilmente se imagina.
Lembro-me sempre de na minha primeira ida ao estrangeiro, em 1958, os meus pais ficarem escandalizadíssimos pela maneira como em França o pão era tratado. Debaixo do braço, atado nas traseiras das bicicletas, os cacetes com um sabor e um cheiro deliciosos (ainda me lembro do cheiro!) eram transportados sem aquele saco branco, passado a ferro, que na época se usava em Portugal.
Pois eis-me aqui a comer outros cacetes, de formato bem semelhante e sujeitos a agressões mais violentas. Mas o pão é óptimo quando comparado com o que se vende nas padarias em Lisboa. Muito barato, é a par do arroz, uma das bases da alimentação dos guineenses.
Apesar do formato único, há-o de duas qualidades: o kuduro fabricado em fornos a lenha domésticos e o fino, feito à máquina em fábricas. A diferença é enorme. O kuduro, mais denso, é o preferido dos portugueses para grande espanto dos locais que consideram o pão fino, por ser mais caro, o adequado a bolsas mais fornecidas.

19 maio 2009

Espelho meu (2)

Como se pode ver pelas fotografias as guineenses capricham em tudo o que toca a cabelos. Os produtos abundam para alimentar, esticar, fortalecer. E claro, acrescentar. As extenções são muitas, desde as de nylon às de cabelo verdadeiro, permitindo uma variedade imensa de penteados a quem, à partida, não está muito contente com o seu cabelo (o sonho passa por ter cabelos compridos, lisos e brilhantes).
Todas fazem penteados a todas, operação que pode durar algumas horas e por vezes alguns dias. Neste caso o processo passa-se em etapas porque a vida continua à volta e sempre é preciso fazer mais qualquer coisa, mesmo que toda a motivação e energia estejam prioritariamente dirigidas para aquele assunto.
Depois de tanto investimento não pude deixar de perguntar, perante o sorriso maravilhado da própria:
Lindo, Fatumata! ... e quanto tempo vai durar?
Três dias.
Só, Fatumata? tanto trabalho para tão poucos dias?
Não lhe disse que, quanto a mim, tudo o que fosse menos de um mês não justificaria o esforço. Não lhe disse porque sei bem o valor de cinco minutos de perfeição.

Chuva

Fotografia de Sofia Fernandes
Depois de pontuar as conversas de há uns tempos para cá, chegou ontem a Bissau. Diz a tradição que a época das chuvas começa a 15 de Maio o que não a impede de em muitos anos se atrasar, por vezes mais de um mês. Mas este ano todos diziam que a chuva ia chegar cedo e ela cumpriu. Depois de uns dias de calor fortíssimo, acompanhado por uma humidade que impregna tudo e todos, ontem amanheceu molhado. Ainda não foi uma chuvada, daquelas que nos cola às vidraças, maravilhados. Foi simplesmente chuva.
Felizmente os preparativos para tal chegada vinham-se fazendo. O colmo ("palha de casa") foi cortado e atado em molhos dourados que se viam ao longo das estradas, esperando o transporte, e as coberturas dos telhados foram com ele reparadas e reforçadas. Noutros, foi a chapa de zinco remendada.
Segundo as possibilidades de cada um, o trabalho foi feito. E, vá-se lá saber porquê, ontem havia boa disposição no ar. Algo tinha acontecido como previsto, o que por estes lados tem um sabor muito especial.

17 maio 2009

Copenhaga

Lembram-se de ter mostrado estes carrinhos de café que se encontram espalhados por Bissau? São centenas, de todas as cores e feitios.
Pois acabo de encontrar aqui a versão dinamarquesa. Embora muito menos criativa, comprova uma vez mais que as boas ideias são universais.

15 maio 2009

Acerca de museus

Fotografia de Telma Marta

Acabo de saber que foi aprovado em Conselho de Ministros a criação de um novo museu. Será ele o Museu da Língua Portuguesa que entrará em interacção com o seu irmão brasileiro.

Pede o Ministro da Cultura que igual medida seja tomada nos restantes países da CPLP. Tudo isto seria apenas desadequado, se não fosse muito grave. É que é suposto instalar o tal museu no Museu de Arte Popular, em Belém.

Será com certeza ocasião para um belo projecto de arquitectura (suponho que de interior). Pois ... e a língua portuguesa? Alguém acredita que o número d

e falantes aumente por existir tal museu? Alguém acredita que baixe a elevadíssima taxa de iliteracia em Portugal?

E no resto dos países da CPLP? Museus? O que se pensa fazer com os projectos de promoção do português, de formação de professores, de apoio ao português como língua de ensino? Espera-se muito de Portugal nesse campo e as verbas são curtas.

Aqui na Guiné-Bissau deixou de haver Adido Cultural há três anos, pelo que temos um Centro Cultural Português praticamente fechado. Foi considerado supérfulo, face à falta de verba. Temos milhares de inscrições todos os anos para os cursos de português no CCP e não temos professores para os garantir. Mais uma vez por não ser considerado importante.

E Portugal quer fazer um Museu da Língua? E para o fazer quer destruir o Museu de Arte Popular?

Está prevista para amanhã uma acção de repúdio por tal medida. Vão bordar um grande lenço de namorados e pendurá-lo na fachada do Museu. Se eu estivesse em Lisboa estaria lá seguramente, de dedal no dedo.

Porque estou longe,

porque quero que se leia mais, se escreva melhor em Portugal,

porque quero que as crianças da Guiné-Bissau, e não só, tenham acesso ao ensino em português,

porque quero ter o Museu de Arte Popular renascido, no local em que nasceu,

espero que algum dos meus visitantes esteja por mim em Belém, ao meio-dia, amanhã. E que me contem aqui.

Para saberem mais do que estou a falar, vejam aqui. Foi onde eu vi.

E.T.: Escrevi estas linhas, usando do "meu direito à indignação", sem me informar devidamente sobre o assunto. Penitencio-me por isso. Assim, não sabia que já havia um projecto de arquitectura concebido, muito menos que ele não mostrava respeito pelo MAP. Falei do futuro projecto com ironia, farta de ver belos projectos cilindrarem outros valores, para mim mais importantes. Afinal a situação é ainda mais grave do que pensava.

14 maio 2009

E no entanto

Corredores e pátios desertos, silêncio e desânimo. E, no entanto, há em todos os liceus de Bissau, e também nas escolas básicas onde trabalhamos, umas salas onde se esquece o silêncio e onde os livros e os computadores continuam a ser usados em pleno.
E onde professores continuam a querer receber formação.

12 maio 2009

Greve

Liceu Nacional Kwame N'Krumah *, 3ª feira, 16 horas. Normalmente, a esta hora, haveria 2000 alunos por aqui.
Andamos há alguns meses tentando que nesta e noutras escolas em que trabalhamos o lixo se reduza, se recicle, desapareça.
Confesso que não era bem assim que tínhamos previsto resolver o problema.
* Antigo Liceu Honório Barreto (para os que por cá passaram).

08 maio 2009

Boa viagem

Há dias fui à D. Berta. Quis tirar fotografias e ouvir o cumprimento habitual: Já tinha muitas saudades suas. Encontrei-a muito aflita embora, como sempre, rodeada de gente nova a apoiá-la. É que tinham-na convencido a seguir a indicação muito clara do médico e partir para Lisboa para ser operada.
Nada de grave, disse eu, isso hoje faz-se num instante. Dois dias e está em casa da família. Não se pode arriscar, tem mesmo que ir.
As lágrimas estavam mesmo ali, enquanto se preparava o encerramento temporário da pensão. Uma grande preocupação.
Ninguém vai gostar, D. Berta, mas tem que ser. Aproveita, passa as eleições em Campo de Ourique. E depois volta, como nova.
Bissau está estranha com as portadas da Pensão Central fechadas. Tal aconteceu pela última vez há dez anos e foi provocado pela guerra (quando se diz a guerra é sempre o conflito político-militar de 98-99). Foram reabertas 9 meses depois. Desta vez vai ser bem mais rápido.
Boa viagem, D. Berta.

07 maio 2009

D. Berta, uma pessoa especial

Viver numa cidade que não se conhece desde há muito pode tornar-se uma experiência apaixonante, mas começa por ser um pouco intimidante. O conhecimento do lugar vai-se fazendo aos poucos, por vezes ao sabor do acaso, por vezes com a ajuda de locais de referência que outros antes de nós elegeram e tornaram familiares. Em Bissau, o encanto da cidade é feito do traçado das ruas e avenidas, de um bairro antigo, de mangueiras esplendorosas à sombra das quais se convive, se ganha a vida ou se repousa. Por vezes também se aprende, que as escolas não chegam para todos. Mas, a par destes lugares, há um outro que é mostrado a cada cooperante de passagem – a Pensão Central. Nele reina alguém muito especial que vai ajudando quem chega a tornar Bissau a sua nova terra. Refiro-me à Avó Berta, para os jovens que por lá passam, D. Berta para quem, como eu, já não tem idade para conviver com avós.
Situada num dos edifícios mais interessantes da cidade, mantido inalterado graças à sensatez da sua proprietária, a Pensão da D. Berta é uma referência, com o seu ambiente de pensão de outros tempos.

Senhora de uma enorme descrição, D. Berta recebe, quase silenciosa, quem vai chegando e, sem perguntas, vai mantendo actualizado o seu interesse por todos. Chega-se cansado (as escadas de ferro pintado não ajudam), encalorado (o sol por estes lados não perdoa) e vai-se a pouco e pouco repousando, enquanto o Alves, de concha em riste, avança com a terrina da sopa.

Não se conhece previamente a ementa e não se pergunta, porque isso ajuda ao encanto, lembrando o tempo em que alguém cuidava de nós e do nosso alimento.
O ambiente é fresco. Procura-se a ventoínha desnecessária, pois a casa é de tempos idos e tem portadas e grandes varandas que protegem do sol e deixam entrar a aragem. Compreende-se, assim, que nos sintamos em casa e que, deliciados, deixemos a D. Berta zelar por nós.

03 maio 2009

Pé-de-cabaceira

Fotografia de Sofia Fernandes

Ao contrário do que acontece noutros países africanos, não se vêem muitos embondeiros*, por aqui. Tenho pena porque os seus troncos sempre me fizeram sonhar. E, no entanto, os mercados estão cheios da polpa do seu fruto – a cabaceira – que goza de enorme prestígio.

Exibe-se no Bandim, em pequenas montes. Ao longe parecem pedrinhas brancas, irregulares e quando se pega nelas constata-se com espanto que são leves, quase como pedaços de esferovite. Com elas faz-se a bebida mais vulgar por aqui – o sumo de cabaceira – dissolvendo-as em água e coando em seguida. Dado o sabor forte, ácido, bebe-se geralmente com muito açúcar. Num país de maioria muçulmana esta bebida não alcoólica está disponível por todo o lado.

Mas uma outra razão do seu prestígio deve-se à fama de combater o colesterol (suponho que o mau!). No entanto, já me disseram que só é eficaz se for bebido sem açúcar o que me fez sempre suspeitar que isto se baseia unicamente na crença de que para algo fazer bem tem que saber mal ou doer. Nunca experimentei.

Antes do conflito de 98, havia umas freiras missionárias que comercializavam o produto, reduzido a pó, em pequenos sacos, pronto a ser dissolvido. Deixei de ouvir falar de tal coisa mas tenho andado a pensar que seria bom ajudar jovens desocupados a relançar o negócio. Será que a ASAE me deixaria vendê-los em Portugal?

* O embondeiro é aqui chamado "pé-de-cabaceira" e nada tem a ver com as cabaças de que falei aqui, em Março.

01 maio 2009

1º Maio

Foto de Sofia Fernandes
Enquanto se espera por mais oportunidades de trabalho.