30 novembro 2010

A casa (20) - o ritmo

Branca noiva do mar

O ritmo a que avança a obra me mata. O bom do Sr. Francisco apresenta algumas razões de peso para trabalhar um dia sim, cinco dias não. Uma delas foi a partida para férias repentinas na Bulgária de três dos seus homens. Impossível não pensar na partida do senegalês para Dakar a meio da construção do que foi a minha coroa de glória em Bissau - o telheiro da Escola Salvador Allende (aqui). Tenho que me contentar com a ideia de que desta vez o responsável ficou.

Claro que há também outras obras que pelos vistos têm prioridade sobre os meus 29m2 e para além disso o Sr. Francisco é dirigente da Associação dos Apicultores do Algarve e proprietário rural. Muita reunião, muito mel, muita azeitona para apanhar.

Quando uso o argumento do General Inverno cujas tropas se aproximam a grande velocidade ele responde-me que por aquelas bandas não há chuva, não há vento. Segundo ele, até parece que estamos a entrar na época seca, como na Guiné-Bissau.

Essenciais - muito arroz

A 3ª e 4ª fotos são da Marta Jorge

Mas no meio da mercadoria aos bocadinhos de que falei há dias aqui, há a grande excepção - o arroz. É desejavelmente comprado em sacas de 25 ou 50kg pois as famílias são grandes e ... quase só se come arroz. Para quando não há meios lá está o caneco para medida.

Nas nossas Oficinas de Língua Portuguesa o arroz acabou por ter um lugar especial que nos empolgava a todos. As Oficinas contavam com trabalho diário totalmente voluntário de jovens que viam aí uma oportunidade de aprenderem um pouco de tudo com os professores portugueses - informática, como catalogar os livros, como prestar apoio aos leitores, como construir o placard e muito mais. Mas sobretudo permitia-lhes tornarem-se pouco a pouco senhores daqueles oásis que eram as salas das Oficinas e simultaneamente aperfeiçoarem o português, no convívio diário com os professores. Estes tornaram-se modelos que todos os colaboradores queriam copiar.

No Natal e no fim do ano lectivoe, sempre que os meios o permitiam, passámos a oferecer um presente que mostrava como considerávamos importante a sua ajuda. Invariavelmente perguntávamos se queriam arroz ou dinheiro e a resposta era sempre a mesma: arroz. Explicavam-nos que era muito importante para eles chegar a casa e oferecerem-no à família. Garantirem a alimentação de todos durante uns dias era para aqueles jovens um prazer que lhes conferia estatuto de adulto responsável Outros os alimentavam durante o resto dos dias e havia que participar num assunto que é de todos - a subsistência familiar.

Os professores do projecto passaram assim a tratar da compra, transporte e distribuição de perto de 2,5 toneladas de arroz. Ao melhor preço, nas melhores condições.

Muito aprendemos naqueles anos!

29 novembro 2010

Ainda a D. Berta

Já apresentei a D. Berta e voltei a falar dela aqui a propósito de um jantar recente na Associação de Cabo Verde.

Em 2007, no Boletim nº 5 do projecto que me levou a viver em Bissau e que portanto está na origem deste blog, a Vanda Medeiros, professora do projecto, fez uma entrevista à D. Berta. Acho-a interessantíssima e tentei mostrá-la aqui. Surgiram dificuldades relacionadas com o roubo de um portátil mas agora vejo que ela está acessível aqui.

Aconselho a leitura pois compreenderão por que razão a D. Berta é uma pessoa tão especial.

27 novembro 2010

Essenciais - muito pouco

Quando visitei pela primeira vez um mercado guineense saltou-me à vista a pouca quantidade de mercadoria, especialmente no sector dos frescos. Pouca mas exposta de uma forma bem curiosa para olhos habituados à fartura. Os legumes são arrumados em montinhos com meia dúzia de exemplares cada, o que dá às bancas um aspecto divertido como se de um tabuleiro de um jogo infantil se tratasse. As carências ficam bem patentes.

Depois começamos a perceber que a pouca quantidade, a pequena dimensão impera quase sempre, numa estratégia de sobrevivência com provas dadas. Tudo se compra em ponto pequeno e os saquinhos de que falei aqui estão lá para isso. Os recursos são escassos e a reserva de mercadoria nula pelo que se compra à medida das necessidades diárias e só quando se pode.

Por cá durante a minha vida de consumidora vi as embalaggens crescerem até se tornarem difíceis de arrumar nas nossas casas, os produtos e marcas diversificarem-se e as bagageiras dos automóveis crescerem na proporção. Fazer as compras domésticas passou a ser trabalho especializado.

Há anos constatei, escandalizada, que já não era possível recarregar as embalagens de detergentes talvez porque só eu o fazia. Dava muito trabalho, não valia a pena e os sprays em plástico, embalagens sofisticadas, passaram a voar displicentemente para o lixo. Não se estava mesmo a prrecisar de uma crise? Talvez seja altura de aprendermos alguma coisa com as mulheres da Guiné-Bissau.

14 novembro 2010

Essenciais - os oleados

Oleados = sacos de plástico

Onde serão fabricados, de todos os tamanhos, com múltiplos usos? Os de tamanho normal são pretos com o mapa de África e penso que não são exclusivos do país. Há 10 anos eram sempre pagos pelo cliente e a cidade estava cheia de crianças a vendê-los, mas ultimamente já eram oferecidos o que não parece ser uma boa ideia, como se verificou por cá.

Mas aos nossos olhos os que mais surpreendem são os tamanhos mini e super-mini, transparentes, em que é vendida a água e o sumo de cabaceira, este muitas vezes congelado. São atados e depois cortados com os dentes pelo cliente. Embalagem prática e barata. Como a cerveja é bebida pela garrafa e os refrigerantes pela lata, o copo torna-se um objecto nada essencial.

Tudo estaria bem se acabasse bem. Na verdade os saquinhos terminam os seus dias no chão, sujos de terra, eternos. Verdadeira praga. Felizmente não há vento, senão estariam a encher árvores e arbustos como acontece em Cabo Verde, num cenário de fim do mundo.

05 novembro 2010

A casa (19) - a fogueira

Design de Dirk Wynants

Claro que eu gostava de ter na casa tudo, mas mesmo tudo aquilo que nunca tive nem terei em Lisboa: a luz do dia a entrar por uma janela da casa de banho, um quintal com um limoeiro, uma buganvília rosa fúchia a espreitar pela porta da cozinha.

Mas mais que tudo, eu gostava de ter uma lareira. Bom, já me contentava com uma salamandra. Não vai poder ser pois furar o chão da açoteia colocaria problemas de isolamento e problemas só quero os que não se prevêem.

Portanto, encontrei esta solução que fará a minha felicidade em dias sem chuva. Terei é que prescindir do cavalo, dada a largura da escada.

02 novembro 2010

A casa (18) - o projecto

Quem diz projecto diz arquitecto, embora saiba bem que não é sempre assim. Neste caso arquitecta. Chama-se Cristina Salvador e faz parte deste filme desde o início que é como quem diz desde a compra. Melhor: está neste filme desde o passado de ilha na tal casa que o mar levou para não mais trazer.

A futura casa foi nascendo aos poucos nas nossas cabeças. Passou por diferentes soluções enquanto eu ia e vinha entre Bissau e Lisboa mas a solução final esperou pelo meu definitivo regresso. Face ao tamanho, pensou-se primeiro em substituir o casinhoto verdadeiramente inabitável por um quarto com casa de banho associada. Punham-se problemas de estrutura, de custos. Ainda por ciima o espaço exterior passaria de açoteia a simples varanda e a casa continuaria a ser claramente insuficiente para nos albergar a todos durante as férias.

A solução final foi-me colocada e aceite de imediato. A casa ficou reduzida a um T0 mas um super T0 (acho eu´!) e a açoteia, salva no seu todo, será no verão o coração da casa. Lá se irá repousar, comer e cozinhar também. Salvou-se o lado emocionante do filme, desde que se garanta a privacidade do local. Há dias em que a imagem que evoco é de um minúsculo rectângulo separado de muitos outros por muros baixíssimos´. mas depois, noutros dias, vejo toldos, esteiras, sombras e almofadas de tecidos africanos, comigo refastelada nelas.

A leitura do projecto não é coisa sempre evidente. Há dias em que vejo com dificuldade aquela parede que separa a casa de banho do frigorífico. Onde fica o tal vidro que vai deixar passar alguma luz? Para que lado fica a prateleira?

"Espera aí, já te explico e já vais ver" O que seria de mim sem ela? A C. e eu somos as protagonistas deste filme e a data da estreia será anunciada aqui, claro está.

01 novembro 2010

A casa (17) - dona de obra

Fotos de Cristina Salvador

"Dono de obra - Entidade responsável pela encomenda das operações e pela celebração do respectivo contrato de adjudicação, coincidindo, por regra, com a entidade que detém a propriedade do bem ou infra-estrutura ou adquire o serviço financiado".

Sou eu e assim continuarei a ser durante os próximos meses, antes de quase tudo o resto. Quando a obra se passa a 300km há sempre alguma inquietação como pano de fundo. O que estará a fazer o sr. Francisco? Já terá levantado o tal muro? Apetece-me telefonar todos os dias mas controlo-me. Como respeitar o seu espaço/tempo de trabalho correndo o mínimo risco de deslize? Está aqui o segredo da relação.

Resta portanto a sensação permanente de que devia lá estar. Preparo-me para a próxima visita como se de uma curta viagem de férias se tratasse. Só que os guias são substituídos pelo projecto de arquitectura que de tanto ser dobrado e desdobrado ameaça ruir.