16 julho 2009

Olhar de partida

Viver num país tão pobre obriga-nos a construir algumas defesas que nos permitem dizer que não a quase tudo o que as crianças e jovens nos querem vender, que nos impedem de autorizar a lavagem do carro duas vezes por dia e que, sobretudo, nunca por nunca nos deixam cair na tentação de dar dinheiro a crianças de lata estendida.

É difícil tudo isto e quando a partida se tornou uma realidade palpável, isto é, quando comecei a tropeçar nas caixas, a fazer nódoas negras nos fechos das malas abertas por todo o lado, o olhar modificou-se e as defesas foram caindo. O carro passou a ser lavado mesmo perante a chuva iminente, as mangas passaram a ser compradas ao fim da tarde, quando sei que as pequenas vendedoras já não têm a quem as vender e vão ter que fazer a caminhada de regresso a casa com a bandeja carregada com 2 ou 3 quilos que era suposto já não estarem lá.

É o olhar que é outro e de cada vez que penso que vou deixar de ver todos os dias o Baba que me traz de imediato o pequeno almoço, mal atravesso a porta do Ponto de Encontro, autorizo-me o impensável há semanas atrás, à laia de compensação. E as mangas atafulham o frigorífico apesar de saber que já não vou ter tempo ou paciência para fazer mais chutney.

Talvez a solução ainda passe por ir vender algumas aos observadores eleitorais que estão agora a regressar para a 2ª volta das presidenciais.

14 julho 2009

Bastilha

Esta capulana foi-me oferecida em Moçambique, há 21 anos, aquando da visita que fiz à Texlom, na Matola. Tinham passado 16 anos desde a inauguração desse gigante da indústria têxtil e os tempos não eram facéis para Moçambique, em plena guerra civil.

Maputo era então uma cidade cercada e ir à Matola, nos seus arredores, era o máximo que se podia ousar. A empresa beneficiava, desde 1986, de um programa de reestruturação do governo francês e embora fosse evidente a parilisia, pude ver uma ou outra máquina a trabalhar. De uma delas saíam capulanas a perder de vista, coloridas como geralmente são as capulanas. Quando me aproximei pasmei com o desenho.

Estávamos no ano das comemorações do bi-centenário da Revolução Francesa que tanto empolgaram a França. Muito longe, alguém daquele projecto da cooperação francesa pôs as máquinas a trabalhar em conformidade com o momento. Devo dizer que este facto me chocou um pouco por ter achado que o financiador se estava a aproveitar do beneficiário, a sujeitar a cultura local aos interesses culturais estrangeiros. Chocou-me, mas divertiu-me, pois conhecia a polémica que tinha havido em França acerca de quem iria substituir a Brigitte Bardot como modelo para o busto da Marianne. Escolhera-se a Catherine Deneuve e, eis senão quando, ela muda de cor de pele por decisão de alguém, no outro lado do mundo.

Agora, olhando para este pano de belíssima qualidade, sorrio e alegro-me com a universalidade dos valores. Mas não posso deixar de pensar que se ele tivesse sido feito por um projecto apoiado pela cooperação francesa na Guiné-Bissau era quase certo que ao lado de "Les hommes naissent et demeurent libres et égaux en droits" teria sido escrita a tradução em crioulo e não em português, como na minha capulana moçambicana.

03 julho 2009

Chutney

Há anos que nesta época, quando os passeios de Bissau estão transformados em longas passadeiras de mangas, eu planeio fazer chutney.

Adoro cozinha indiana, talvez seja mesmo a minha preferida, e é sempre com uma ponta de emoção infantil que vejo colocar na mesa as taças com os molhos e os nans ainda quentes. Dos molhos, o chutney, mais doce que molho, é o meu preferido.

Pois foi este ano, aproveitando a presença em Bissau da minha amiga Isabel, que meti mãos à obra. Bom, metemos, e com a Mónica de máquina em riste, a registar tudo. Consultámos várias receitas, construímos a nossa, estudámos o assunto porque ele não podia ser tratado com leviandade. O resultado foi aprovado. Colocámos em boiões, virámo-los de pernas para o ar, segundo os preceitos divulgados aqui, no blog da Xuxudidi. Só falta abri-los para verificar se a história do vácuo é verdadeira.

Desde miúda que leio receitas de doces e compotas que segundo os meus padrões da época, inspirados seguramente no ritual de verão religiosamente cumprido pela minha mãe, eram atributos duma mulher/mãe perfeita. A parte que dizia respeito à esterilização era aquela que mais me intrigava por nunca ninguém me ter explicado esse fenómeno que dá pelo nome de vácuo. Desisti há muito de entender, pelo que ele conserva todo o charme do mistério.

Aqui deixo a receita do nosso Chutney de Manga:

6 chávenas de manga cortada em cubos ♦ 3 chávenas de vinagre de vinho branco ♦ 2 chávenas de açúcar mascavado ♦ 1 colher (sobremesa) de gengibre picado ♦ 1 cebola picada ♦ 1 dente de alho picado ♦ 5 cravinhos ♦ 1/4 colher (café) de cominhos em grão ♦ 1/2 colher (café) de coentros em grão ♦ 1/4 colher (café) de grãos de mostarda preta ♦ 1/4 colher (café) de nigella (sementes de cebola ♦ 1/2 colher (chá) de açafrão das índias (turmeric, curcuma) ♦ 1/4 colher (café) de canela em pó ♦ 6 cardamomos pisados ♦ 6 grãos de pimenta preta ♦ 1 colher (chá ou café, a gosto) de flocos de malagueta ♦ 1 colher (sopa) de sumo de lima ♦ sal

Pisar as especiarias em grão e em pó num almofariz e levá-las ao lume numa frigideira aquecida, para soltar o aroma. Aquecer o vinagre com o açúcar, até este ficar dissolvido, mexendo com uma colher de pau. Juntar a manga e os restantes ingredientes e deixar ferver até engrossar (cerca de 30 mn). Depois de pronto, retirar as cascas dos 6 cardamomos e guardar em frascos esterilizados.

02 julho 2009

Animação

Fotografias de Helena Ferro Gouveia

Com as eleições presidenciais, Bissau encheu-se de jornalistas e observadores, os primeiros de rádios, jornais, revistas e televisões de muitos lados e os segundos de organizações multilaterais - CPLP, UE, UEMOA, UA. Todos juntos transformaram a cidade.

As conferências de imprensa sucedem-se, todos sabemos para que horas estão marcadas. Para lá convergem profissionais mas também populares cuja curiosidade é autorizada e satisfeita. São testemunhas dos acontecimentos, provando a sua transparência. As ruas são, em seguida, cruzadas por colunas de viaturas com livre-trânsito e todos sabemos de onde vêm.

A cidade está pois mais animada e há no ar grande curiosidade acerca da 2ª volta que pode tornar-se rapidamente em inquietção. Não posso deixar de me congratular com o facto de a nossa partida de fim de ano lectivo estar há muito programada para 18 de Julho.