Viver numa cidade que não se conhece desde há muito pode tornar-se uma experiência apaixonante, mas começa por ser um pouco intimidante. O conhecimento do lugar vai-se fazendo aos poucos, por vezes ao sabor do acaso, por vezes com a ajuda de locais de referência que outros antes de nós elegeram e tornaram familiares.
Em Bissau, o encanto da cidade é feito do traçado das ruas e avenidas, de um bairro antigo, de mangueiras esplendorosas à sombra das quais se convive, se ganha a vida ou se repousa. Por vezes também se aprende, que as escolas não chegam para todos. Mas, a par destes lugares, há um outro que é mostrado a cada cooperante de passagem – a Pensão Central. Nele reina alguém muito especial que vai ajudando quem chega a tornar Bissau a sua nova terra. Refiro-me à Avó Berta, para os jovens que por lá passam, D. Berta para quem, como eu, já não tem idade para conviver com avós.
Situada num dos edifícios mais interessantes da cidade, mantido inalterado graças à sensatez da sua proprietária, a Pensão da D. Berta é uma referência, com o seu ambiente de pensão de outros tempos.
Senhora de uma enorme descrição, D. Berta recebe, quase silenciosa, quem vai chegando e, sem perguntas, vai mantendo actualizado o seu interesse por todos. Chega-se cansado (as escadas de ferro pintado não ajudam), encalorado (o sol por estes lados não perdoa) e vai-se a pouco e pouco repousando, enquanto o Alves, de concha em riste, avança com a terrina da sopa.
Não se conhece previamente a ementa e não se pergunta, porque isso ajuda ao encanto, lembrando o tempo em que alguém cuidava de nós e do nosso alimento.
O ambiente é fresco. Procura-se a ventoínha desnecessária, pois a casa é de tempos idos e tem portadas e grandes varandas que protegem do sol e deixam entrar a aragem. Compreende-se, assim, que nos sintamos em casa e que, deliciados, deixemos a D. Berta zelar por nós.
Fecho os olhos e sinto aquela atmosfera da Pensão Central que nos faz sonhar com uma terra que poderia e deveria ser diferente, mas teima em ser cruel, sobretudo para os seus filhos. Quem passa em Bissau quer conhecer a Pensão Central e a D. Berta e quem já lá esteve não esquece, pois tal como Bissau tem um não-se-sabe-quê que se cola a nós e se torna parte da nossa mais recorrente vivência.
ResponderEliminarPara mim, ainda por cima, a D.Berta é uma ponte entre esse país, Portugal e Cabo Verde.
Bem haja a quem, como tu, nos vai atiçando a curiosidade ou mitigando a saudade com este blogue!
Luís Machado
uma terrina de sopa ! só podias estar num país lusófono ! :-)
ResponderEliminare que sopa é ? canja ? caldo verde ? ou há sopas locais ?
É verdade, uma terrina! tal e qual como havia em casa de meu avô.
ResponderEliminarA refeição é composta por sopa, servida pelo Alves, mal nos sentamos, peixe e carne.
A sopa é de couves, excepto ao domingo que é de ostras. Vou lá muitas vezes expressamente para a comer. É picante e eu adoro.
Agora em Lisboa já tenho uma terrina oferecida por uma amiga, em homenagem à D. Berta.
O visual despertencioso e verdadeiro das tuas fotos, o correr de pena dos teus textos, a observação atenta dos locais, das gentes, do dia a dia da vida, tudo sabe tudo cheira a África.
ResponderEliminarE, atravez de ti, consegues fazê-lo passar numa leitura simpática, curiosa, agradável.
Continua que estás a agradar.
Talvez mais tarde consigas reunir todas estas pequenas peças do puzzle de um período da tua vida e publicá-las em livro.
Pela parte que me toca, já podes contar com um exemplar vendido.
Bj amigo do
Manel Teixeira
Luis e Manel: Decididamente são mesmo meus amigos! O reforço positivo faz falta a todos mas, a partir de certa idade, funciona como uma bomba de felicidade.
ResponderEliminarObrigada aos dois.
E parabéns por serem capazes de dizer estas coisas simpáticas.
Jovem, descobri, já nem sei como, este blogue, e tenho vindo a segui-lo com muita curiosidade e interesse.
ResponderEliminarPara não ser repetitivo nem procurar "originalidades" digo apenas que subscrevo totalmente o comentário de Manuel Teixeira.
Há muito tempo atrás passei 2 anos da minha vida na Guiné, dos quais cerca de 6 meses no "Vietnam", em Piche (como me referia ao que ficava para lá de Bissau) e o resto do tempo em Bissau. Tinha decidido que nunca mais (de facto não se deve dizer nunca) falaria da Guiné, mas também não é menos verdade que aquela terra tem um "não sei quê" que se nos cola na pele e por isso a atracção por tudo o que a ela se refere faz com que utilize algum tempo nestas leituras.
O interessante é que tenho encontrado por parte de gente que presumo mais jovem, que não estiveram aí em S.M.O. (serviço militar obrigatório)uma visão que, não escondendo as dificuldades, o que não acham bem, o que lamentam que vá acontecendo, etc., veiculam uma visão, dizia eu, bastante simpática da terra e principalmente das gentes e prenhe de vontade quase incontrolável de apoiar e ajudar.
Tenho encontrado isso por exemplo no site do pessoal que esteve na construção da ponte de Bula a inaugurar brevemente e também num site designado por "bissau calling" dum jovem português responsável por um organismo da Comissão Europeia.
Parabéns e obrigado por estas imagens/palavras tão serenas e reconfortantes.
Hélder Sousa
Helder: Obrigada pelas sua palavras. E também por lhe ter parecido que sou jovem. O maior dos elogios!
ResponderEliminarTenho imensa curiosidade sobre a Bissau desses tempos pré-independência. Costumava ir à Pensão Central ou ela passou a ser abrigo de portugueses só mais tarde, já em tempos de cooperantes? O General Eanes (seria capitão nesses tempos?)sentava-se sempre numa mesa do centro da sala, como recorda a D. Berta, mas haveria muitos outros?
E a cidade? Era bonita? Agora, apesar de muito estragada, ainda lhe encontro encantos. Tenho é muita pena de nunca se ver a água. O porto está destruído e nunca se vai lá. Parece uma cidade interior.
Conto com mais comentários seus e com algumas recordações se elas não magoarem muito.
Obrigada.
Estava mesmo a precisar de ir aí almoçar... :)
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