08 março 2010

Pastéis de molho

foto publicada aqui

É a mais famosa iguaria covilhanense, inventariada pela Maria de Lurdes Modesto nesse monumento cultural que é a "Cozinha Tradicional Portuguesa". Quando comecei a ir regularmente à Covilhã ainda se falava muito da sua estadia na terra para recolher as receitas e em casa de quem tinha comido o quê.

Apesar de se tratar de um prato que, de tão bizarro, tem na sua origem forçosamente uma história interessante, nunca ouvi falar dela pois são comidos pelos autóctones com um ar perfeitamente normal, como se de nada de estranho se tratasse.

Imaginem um pastel feito de uma massa folhada que quase nada tem a ver com a que dá por esse nome por ser muito mais grossa e nos chegar às mãos dura e quebradiça. Dobrados em meia-lua, têm dentro um pouco, muito pouco, de recheio de carne sobre o qual nada há a acrescentar. Noutros tempos vinham acompanhados por um papelinho dobrado sobre uns fios do precioso açafrão (nada tem a ver com o açafrão das Indias, claro) mas há muito que o preço astronómico do dito passou a obrigar cada um a comprá-lo por sua conta ... na farmácia!

Em casa ferve-se água com sal, um grande ramo de salsa, bastante vinagre e a dita especiaria. Ferve um bocado. Nos pratos de sopa colocam-se os pastéis (um ou dois por pessoa)e deitam-se por cima umas conchas do molho, bem fumegante, cobrindo de imediato com outro prato invertido para que inchem.

Agora que a Covilhã se transformou em cidade universitária (ouvi falar de 8000 alunos e professores), grande parte da população desconhece do que se trata (o que não é de espantar atendendo ao exotismo da receita), comendo-os portanto como pastéis folhados. Comprei alguns no mercado unicamente para tirar a fotografia pois constatei, só pelo aspecto, que não serviriam para comer. A massa era fina e jamais resistiria inteira ao caldo a ferver. Uma pergunta ao vendedor e deu para perceber de imediato que ele não era da cidade. Até desconhecia que os pastéis de molho se comem com molho!

Estava portanto verificada a justeza do comentário, muitas vezes feito pela minha sogra, segundo o qual os pastéis foram sempre comidos exclusivamente na Covilhã, sendo estranhos mesmo para as gentes dos arredores da cidade. E ela acrescentava, com manifesto orgulho: "Só os covilhanenses gostam dos pastéis de molho. Os covilhanenses e as minhas noras!". O que só prova a inteligência das noras e o sentido de humor da sogra.

14 comentários:

  1. nunca tinha visto tal especialidade ! faz-me lembrar um "mega" tortellino in brodo, uma sopa italiana que os meus filhos adoram (tortellini in brodo) mas sem o açafrão ... o que dá o colorido é aliás o açafrão não é ?
    http://en.wikipedia.org/wiki/Tortellini

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  2. Nunca fui covilhanense, nem de adopção, e gosto imenso de pastéis de molho. Gostaria que alguém se lembrasse de mim, num futuro próximo, e me trouxesse um ou dois....

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  3. Esse alguém posso ser eu ?
    Beijinhos para a Isabel A.

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  4. Vera: penso que não deixei claro por que razão considero a iguaria tão bizarra. É que o molho não tem qualquer gordura, o que me parece original. No fundo faz lembrar a açorda alentejana mas sem o azeite e com sabores bem diferentes.

    Isabel: Sim, está bem, vais ter uns pastelinhos muito em breve. Prometido.

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  5. ahhhhh claro, só água, açafrão salsa e vinagre ! impressionante ;-)
    vera

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  6. Ainda agora os trouxe da Covilhã e nem secos nem molhados se conseguiram comer!!! Mas já sei onde se encomendam.
    Gostei muito do fim do post sobretudo dos 'inesquecíveis' comentários da sogra!!!
    Ficam os momentos...e foram muitos!

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  7. Estive há mt pouco tempo na Covilhã com a minha sogra (que é Covilhanense) e ela trouxe uns 20 pastéis para Lisboa. Encomendou-os numa mercearia muito antiga, perto da Igreja de St. maria. Ainda são os originais. Depois passamos numa farmácia para comprar o dito açafrão, mas já não vendiam. Indicaram-nos que agora só se compra numa loja de produtos naturais. Não sei se é verdade, pois não fomos a mais farmácias, mas encontramos o dito na tal loja de produtos naturais.

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  8. Sónia: Talvez essa mercearia seja uma no Largo da Senhora do Rosário que vende também uns biscoitos que ainda sabem aos de antigamente. Há também uma outra perto da Igreja de S. Francisco que vende uns pastéis possíveis de tragar.
    Quanto ao açafrão, ainda há poucos meses o comprei numa farmácia mas ainda bem que tb se vende nessa tal loja. Irei lá muito em breve. Obrigada pelas informações.

    Ana: Podes crer que muitas memórias ficaram. É o que acontece com as pessoas especiais como a tua mãe.

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  9. Que iguaria invulgar. Fiquei curiosíssima!

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  10. Alguma da família de um dos meus avós é da Covilhã e apesar de já ninguém viver lá, eu conheço estes pastéis desde criança, feitos, se não me engano, exactamente da forma como os descreveu. São absolutamente magníficos, e eu associo-os muito gulosamente, com o seu caldo quentíssimo, a um jantar leve de domingo de Outono.
    Lá em casa, tanto a minha Avó como eu e a minha Mãe, lamentamos de vez em quando já não se conseguirem encontrar à venda na Covilhã (já procurámos algumas vezes sem sucesso) - mas agora, graças a este post extraordinário, já saberemos onde os procurar!!
    Muito obrigada por falar dos magníficos pastéis da Covilhã, estou ansiosa por poder voltar a prová-los, é de facto algo de que gosto mesmo, mesmo muito!

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  11. eu estudei 5 anos na Covilhã (1993-98) e comia pasteis de molho muuuuitas vezes. são deliciosos. tenho muita pena de nunca mais os ter comido. a receita é como disseste (mas não é preciso abafar porque eles incham na mesma).

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  12. Rosa: E ainda não os cheiraste! São mesmo especiais.

    Ana mds: Fiquei muito contente por ter dado um prazer a uma descendente de covilhanense. Está visto que além do prazer de os comer, há o prazer de falar deles o que prova que se justifica plenamente o esforço de quem se bate pela sua sobrevivência. Hei-de dar aqui mais notícias relacionadas com os pastéis. Prometido.

    Sónia: Não concordo com o que dizes sobre o não abafar os pastéis. Na minha opinião é mesmo preciso.

    Convido quem percebe deste assunto mais do que eu a dar aqui o seu parecer.

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  13. Eu crescia acomer pastéis de molho (e biscoitos de azeite) já que a familia da parte da minha avó é da Covilhâ.
    A minha Bisa(vó) fazia-os mas eu confesso que nunca me aventurei apesar de ter a receita. Peço sempre para os trazerem da Covilhã e é sempre um prazer jantar estes pastéis.
    Quanto à história, parece que nasceram da necessidade dos operários das fábricas (texteis neste caso) terem uma comida fácil de preparar e que se conservasse durante bastante tempo sem estragar. Pelo menos foi a história que encontrei quando pesquisei sobre o assunto, parece-me que faz sentido.

    P.S- tenho de ganhar coragem de fazer a receita em casa.

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  14. Adoro estes pasteis, e há bastante tempo que ando à procura de alguém que tenha a receita, não dos livros de culinária, mas as verdadeiras receitas das avós.
    Se alguém puder ajudar agradecia.
    Obrigado, Julio

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