
Viver num país tão pobre obriga-nos a construir algumas defesas que nos permitem dizer que não a quase tudo o que as crianças e jovens nos querem vender, que nos impedem de autorizar a lavagem do carro duas vezes por dia e que, sobretudo, nunca por nunca nos deixam cair na tentação de dar dinheiro a crianças de lata estendida.
É difícil tudo isto e quando a partida se tornou uma realidade palpável, isto é, quando comecei a tropeçar nas caixas, a fazer nódoas negras nos fechos das malas abertas por todo o lado, o olhar modificou-se e as defesas foram caindo. O carro passou a ser lavado mesmo perante a chuva iminente, as mangas passaram a ser compradas ao fim da tarde, quando sei que as pequenas vendedoras já não têm a quem as vender e vão ter que fazer a caminhada de regresso a casa com a bandeja carregada com 2 ou 3 quilos que era suposto já não estarem lá.
É o olhar que é outro e de cada vez que penso que vou deixar de ver todos os dias o Baba que me traz de imediato o pequeno almoço, mal atravesso a porta do Ponto de Encontro, autorizo-me o impensável há semanas atrás, à laia de compensação. E as mangas atafulham o frigorífico apesar de saber que já não vou ter tempo ou paciência para fazer mais chutney.
Talvez a solução ainda passe por ir vender algumas aos observadores eleitorais que estão agora a regressar para a 2ª volta das presidenciais.