05 dezembro 2010

A casa (21) - o casinhoto

O casinhoto que existia na açoteia já não existe. A sua demolição pressupôs sempre que se conservasse a parede principal que confina com a açoteia da vizinha. Terá um papel importante na utilização da minha. A parede do casinhoto, ilegal como todos os outros, era um direito adquirido que era indispensável manter.

O Sr. Francisco nunca percebeu a ansiedade que eu mostrei quanto à rápida construção da parede, com as medidas exactas da defunta. Habituado a que tudo se faça como bem apetece a cada um, achou sempre que havia tempo. Nada de stress, não tinha que me preocupar com tal assunto. Mas para mim era muito desconfortável imaginar-me a justificar a construção duma parede clandestina basendo-me no facto de que tinha havido lá uma igual.

Agora lá está ela de novo, insólita, concordo.

"Sr. Francisco, está segura? Não cai?" e a resposta lá veio: "Mas se não há vento!"

Imagino-a já com os toldos, redes e esteiras que lhe darão, espero algum enquadramento e legitimidade.

03 dezembro 2010

Sem palavras

30 novembro 2010

A casa (20) - o ritmo

Branca noiva do mar

O ritmo a que avança a obra me mata. O bom do Sr. Francisco apresenta algumas razões de peso para trabalhar um dia sim, cinco dias não. Uma delas foi a partida para férias repentinas na Bulgária de três dos seus homens. Impossível não pensar na partida do senegalês para Dakar a meio da construção do que foi a minha coroa de glória em Bissau - o telheiro da Escola Salvador Allende (aqui). Tenho que me contentar com a ideia de que desta vez o responsável ficou.

Claro que há também outras obras que pelos vistos têm prioridade sobre os meus 29m2 e para além disso o Sr. Francisco é dirigente da Associação dos Apicultores do Algarve e proprietário rural. Muita reunião, muito mel, muita azeitona para apanhar.

Quando uso o argumento do General Inverno cujas tropas se aproximam a grande velocidade ele responde-me que por aquelas bandas não há chuva, não há vento. Segundo ele, até parece que estamos a entrar na época seca, como na Guiné-Bissau.

Essenciais - muito arroz

A 3ª e 4ª fotos são da Marta Jorge

Mas no meio da mercadoria aos bocadinhos de que falei há dias aqui, há a grande excepção - o arroz. É desejavelmente comprado em sacas de 25 ou 50kg pois as famílias são grandes e ... quase só se come arroz. Para quando não há meios lá está o caneco para medida.

Nas nossas Oficinas de Língua Portuguesa o arroz acabou por ter um lugar especial que nos empolgava a todos. As Oficinas contavam com trabalho diário totalmente voluntário de jovens que viam aí uma oportunidade de aprenderem um pouco de tudo com os professores portugueses - informática, como catalogar os livros, como prestar apoio aos leitores, como construir o placard e muito mais. Mas sobretudo permitia-lhes tornarem-se pouco a pouco senhores daqueles oásis que eram as salas das Oficinas e simultaneamente aperfeiçoarem o português, no convívio diário com os professores. Estes tornaram-se modelos que todos os colaboradores queriam copiar.

No Natal e no fim do ano lectivoe, sempre que os meios o permitiam, passámos a oferecer um presente que mostrava como considerávamos importante a sua ajuda. Invariavelmente perguntávamos se queriam arroz ou dinheiro e a resposta era sempre a mesma: arroz. Explicavam-nos que era muito importante para eles chegar a casa e oferecerem-no à família. Garantirem a alimentação de todos durante uns dias era para aqueles jovens um prazer que lhes conferia estatuto de adulto responsável Outros os alimentavam durante o resto dos dias e havia que participar num assunto que é de todos - a subsistência familiar.

Os professores do projecto passaram assim a tratar da compra, transporte e distribuição de perto de 2,5 toneladas de arroz. Ao melhor preço, nas melhores condições.

Muito aprendemos naqueles anos!

29 novembro 2010

Ainda a D. Berta

Já apresentei a D. Berta e voltei a falar dela aqui a propósito de um jantar recente na Associação de Cabo Verde.

Em 2007, no Boletim nº 5 do projecto que me levou a viver em Bissau e que portanto está na origem deste blog, a Vanda Medeiros, professora do projecto, fez uma entrevista à D. Berta. Acho-a interessantíssima e tentei mostrá-la aqui. Surgiram dificuldades relacionadas com o roubo de um portátil mas agora vejo que ela está acessível aqui.

Aconselho a leitura pois compreenderão por que razão a D. Berta é uma pessoa tão especial.

27 novembro 2010

Essenciais - muito pouco

Quando visitei pela primeira vez um mercado guineense saltou-me à vista a pouca quantidade de mercadoria, especialmente no sector dos frescos. Pouca mas exposta de uma forma bem curiosa para olhos habituados à fartura. Os legumes são arrumados em montinhos com meia dúzia de exemplares cada, o que dá às bancas um aspecto divertido como se de um tabuleiro de um jogo infantil se tratasse. As carências ficam bem patentes.

Depois começamos a perceber que a pouca quantidade, a pequena dimensão impera quase sempre, numa estratégia de sobrevivência com provas dadas. Tudo se compra em ponto pequeno e os saquinhos de que falei aqui estão lá para isso. Os recursos são escassos e a reserva de mercadoria nula pelo que se compra à medida das necessidades diárias e só quando se pode.

Por cá durante a minha vida de consumidora vi as embalaggens crescerem até se tornarem difíceis de arrumar nas nossas casas, os produtos e marcas diversificarem-se e as bagageiras dos automóveis crescerem na proporção. Fazer as compras domésticas passou a ser trabalho especializado.

Há anos constatei, escandalizada, que já não era possível recarregar as embalagens de detergentes talvez porque só eu o fazia. Dava muito trabalho, não valia a pena e os sprays em plástico, embalagens sofisticadas, passaram a voar displicentemente para o lixo. Não se estava mesmo a prrecisar de uma crise? Talvez seja altura de aprendermos alguma coisa com as mulheres da Guiné-Bissau.

14 novembro 2010

Essenciais - os oleados

Oleados = sacos de plástico

Onde serão fabricados, de todos os tamanhos, com múltiplos usos? Os de tamanho normal são pretos com o mapa de África e penso que não são exclusivos do país. Há 10 anos eram sempre pagos pelo cliente e a cidade estava cheia de crianças a vendê-los, mas ultimamente já eram oferecidos o que não parece ser uma boa ideia, como se verificou por cá.

Mas aos nossos olhos os que mais surpreendem são os tamanhos mini e super-mini, transparentes, em que é vendida a água e o sumo de cabaceira, este muitas vezes congelado. São atados e depois cortados com os dentes pelo cliente. Embalagem prática e barata. Como a cerveja é bebida pela garrafa e os refrigerantes pela lata, o copo torna-se um objecto nada essencial.

Tudo estaria bem se acabasse bem. Na verdade os saquinhos terminam os seus dias no chão, sujos de terra, eternos. Verdadeira praga. Felizmente não há vento, senão estariam a encher árvores e arbustos como acontece em Cabo Verde, num cenário de fim do mundo.

05 novembro 2010

A casa (19) - a fogueira

Design de Dirk Wynants

Claro que eu gostava de ter na casa tudo, mas mesmo tudo aquilo que nunca tive nem terei em Lisboa: a luz do dia a entrar por uma janela da casa de banho, um quintal com um limoeiro, uma buganvília rosa fúchia a espreitar pela porta da cozinha.

Mas mais que tudo, eu gostava de ter uma lareira. Bom, já me contentava com uma salamandra. Não vai poder ser pois furar o chão da açoteia colocaria problemas de isolamento e problemas só quero os que não se prevêem.

Portanto, encontrei esta solução que fará a minha felicidade em dias sem chuva. Terei é que prescindir do cavalo, dada a largura da escada.

02 novembro 2010

A casa (18) - o projecto

Quem diz projecto diz arquitecto, embora saiba bem que não é sempre assim. Neste caso arquitecta. Chama-se Cristina Salvador e faz parte deste filme desde o início que é como quem diz desde a compra. Melhor: está neste filme desde o passado de ilha na tal casa que o mar levou para não mais trazer.

A futura casa foi nascendo aos poucos nas nossas cabeças. Passou por diferentes soluções enquanto eu ia e vinha entre Bissau e Lisboa mas a solução final esperou pelo meu definitivo regresso. Face ao tamanho, pensou-se primeiro em substituir o casinhoto verdadeiramente inabitável por um quarto com casa de banho associada. Punham-se problemas de estrutura, de custos. Ainda por ciima o espaço exterior passaria de açoteia a simples varanda e a casa continuaria a ser claramente insuficiente para nos albergar a todos durante as férias.

A solução final foi-me colocada e aceite de imediato. A casa ficou reduzida a um T0 mas um super T0 (acho eu´!) e a açoteia, salva no seu todo, será no verão o coração da casa. Lá se irá repousar, comer e cozinhar também. Salvou-se o lado emocionante do filme, desde que se garanta a privacidade do local. Há dias em que a imagem que evoco é de um minúsculo rectângulo separado de muitos outros por muros baixíssimos´. mas depois, noutros dias, vejo toldos, esteiras, sombras e almofadas de tecidos africanos, comigo refastelada nelas.

A leitura do projecto não é coisa sempre evidente. Há dias em que vejo com dificuldade aquela parede que separa a casa de banho do frigorífico. Onde fica o tal vidro que vai deixar passar alguma luz? Para que lado fica a prateleira?

"Espera aí, já te explico e já vais ver" O que seria de mim sem ela? A C. e eu somos as protagonistas deste filme e a data da estreia será anunciada aqui, claro está.

01 novembro 2010

A casa (17) - dona de obra

Fotos de Cristina Salvador

"Dono de obra - Entidade responsável pela encomenda das operações e pela celebração do respectivo contrato de adjudicação, coincidindo, por regra, com a entidade que detém a propriedade do bem ou infra-estrutura ou adquire o serviço financiado".

Sou eu e assim continuarei a ser durante os próximos meses, antes de quase tudo o resto. Quando a obra se passa a 300km há sempre alguma inquietação como pano de fundo. O que estará a fazer o sr. Francisco? Já terá levantado o tal muro? Apetece-me telefonar todos os dias mas controlo-me. Como respeitar o seu espaço/tempo de trabalho correndo o mínimo risco de deslize? Está aqui o segredo da relação.

Resta portanto a sensação permanente de que devia lá estar. Preparo-me para a próxima visita como se de uma curta viagem de férias se tratasse. Só que os guias são substituídos pelo projecto de arquitectura que de tanto ser dobrado e desdobrado ameaça ruir.

18 outubro 2010

Outras obras

Em vez de casas a ilha tem agora gruas que trabalham para abrir uma nova barra. Parece que a existente que separa a ilha da de Tavira está açoreada e a nova vai ser cortada um pouco ao lado da abertura feita pelo mar no último inverno.

Há em terra, no cais de embarque, um painel com a localização dos trabalhos, com um pedido de desculpas pelo incómodo e pouco mais. Sobre as razões da opção, nem uma palavra. Mais uma vez considera-se que o cidadão comum não merece saber por que lhe vão cortar a ilha ao meio, mesmo ao lado do ancoradoro onde chega e donde parte. Por que razão vão tornar impossíveis os longos passeios para nascente.

Há seguramente boas razões para tal mas por que não mereço ser informada?

16 outubro 2010

Tempos modernos

Este espectáculo um bocado deprimente vai ter o seu fim amanhã quando for, de saco na mão, à estação dos correios para enviar estes cabos para a ABRAÇO.

Se este desperdício aconteceu em casa de uma sexagenária não muito consumista imagino o que irá por esse mundo "desenvolvido" fora.

Importante: não vai dar trabalho ou despesa. Os correios fornecem a caixa, marca-se com uma cruz o destinatário da nossa escolha e eles enviam grátis.

10 outubro 2010

A casa (16) - o passado de ilha

A casa não surgiu aqui por acaso. Houve um passado de algumas décadas em que a ilha era o paraíso anual. Essa sensação de nos aproveitarmos do paraíso teve sempre o seu sabor a pecado. Apesar da nossa postura correcta e consciente de preservação do ambiente, tínhamos bem a sensação de que havia naquelas férias uma grande contradição. Aquele espaço era público e não era justificável que desfrutássemos dele de uma forma tão privada. Ainda por cima tirando daí um prazer tão perfeito.

Ao fim da tarde o último barco levava os últimos banhistas para terra e a ilha ficava a ser um espaço só nosso. Nosso e de mais uma dúzia de pessoas que desapareciam dos nossos olhos. A casa na areia, o fogo que se acendia para assar as sardinhas enquanto as crianças tomavam banho no terraço, os pés no mar ao luar, as conversas intermináveis na areia ou à volta da mesa (o que era igual) ...

Depois, de manhã, com todos ainda a dormir, partia para terra no primeiro barco, só eu e o marinheiro. Compras no mercado, torrada, Público e café no largo, quando as cadeiras ainda não estavam todas nos seus sítios.

Tudo isso acabou, outras férias nasceram, agora que o mar fez justiça e a Câmara Municipal, sem alarde, com a aparente aceitação de todos, completou a tarefa.

A ilha já não tem casas. Está tudo certo. É só pena que o problema tenha sido resolvido no local em que quase não o era. Em contrapartida, na outra ponta que não se avista, o pesadelo é imenso.

Afinal de contas, o mesmo que alastrou por todo o Algarve.

04 outubro 2010

100 anos

Impossível não pensar numa época em que os murais nasciam a toda a hora nas paredes da cidade, ilustrando de imediato os acontecimentos. Saía-se de manhã e lá estava mais um. Se exceptuarmos aqueles em que operários apareciam com caras de criminosos (nunca percebi qual a intenção), os murais em Lisboa eram muito festivos e alguns mesmo lindíssimos.

Tudo muito diferente desta vaga de grafitis que surgem mal um edifício é restaurado e que fazem nascer em mim ondas de desejos de repressão e vingança.

01 outubro 2010

O jantar

O Jantar aconteceu.

A Associaçao de Cabo Verde foi escolhida a propósito já que a D. Berta é nascida em Cabo Verde, na ilha de Maio. Para além de caboverdiana é portuguesa e guineense. Talvez seja daí que lhe vem o coração do tamanho do mundo ...

Na mesa brilhou uma cachupa, na sala houve música de Cabo Verde e da Guiné-Bissau. A D. Berta, com o seu sorriso doce de sempre, foi mimada por todos. Amanhã lá vai para Bissau, para a sua varanda cheia de sombra e de cor.

Boa viagem, D. Berta. Espero bem ir visitá-la em breve.

À saída tive a oferta de dois LP. Um desles é a gravação da mensagem de Ano Novo de Amílcar Cabral, apelidada de Testamento Político. A curiosidade é imensa e só tenho de procurar um prato para o ouvir. Há anos que tal não existe em minha casa.

27 setembro 2010

D. Berta

Acabo de ser informada de que a D. Berta está em Lisboa até dia 1 de Outubro e de que haverá um jantar em sua homengem, na Associação de Cabo Verde (ao Marquês de Pombal), na quinta-feira.

Como sabe quem a conhece, ela adorará ter a casa cheia.

Quanto a mim será uma boa oportunidade de rever gentes que conheci por lá.

Associação de Cabo Verde / R. Duque de Palmela, 2 / Lisboa

Contacto: Vanda Medeiros (vandamedeiros@gmail.com)

26 setembro 2010

Essenciais - o telemóvel

Mais do que essencial é indispensável.

Durante 4 anos tivemos que lidar com a inexistência de telefone. Nem fixo. Teoricamente, havia um ou outro (na Embaixada, por exemplo) mas apenas eram usados para falar para o estrangeiro uma vez que não havia para quem ligar localmente.

Com, na época, cinco locais de trabalho e vinte professores espalhados pela cidade, oupados em actividades de toda a ordem para além das docentes, foi obra! Criar Oficinas de Língua Portuguesa a partir do nada, sem que se pudesse combinar ou encomendar por telefone, obrigava a deslocações constantes. Novo porblema, dado dispormos de uma única viatura, sempre na oficina. Havia sobretudo que combater as não comparências, os atrasos e para tal tinha que se encontrar o outro, sabe-se lá onde.

Foi-se conseguindo. As coisas foram-se construindo peça a peça, até ter surgido em 2004 esse recurso divino - o telemóvel.

Dei com ele de repente, numa missão. Já se vinha falando da hipóese mas era difícil de imaginar que tal se viesse a verificar. Na Bissau de então, um aparelho a funcionar, fosse qual fosse, era milagroso, um sem fios era verdadeiramente sideral. Odisseia no Espaço, na Guiné-Bissau.

Pois não só surgiram como em poucos meses invadiram o mercado. Satisfaziam uma necessidade muito maior do que por cá e portanto a invasão foi instantânea. Todos os guineenses, pelo menos em Bissau, passaram a ter um. Simultaneanente, nasceram procedimentos que a satisfazem de forma rápida e barata. Comprar um aparelho é a coisa mais simples, carregá-lo é a coisa mais barata do mndo. Num país sem multibanco, o tm carrega-se por cartão ou mini-cartão, que se vendem por todo o lado, na rua, nas lojas e em locais expressamente criados para o efeito.

Toda a gente passou a telefonar, por vezes não se percebe como!

21 setembro 2010

Guiné-Bissau

Fotos de Marta Jorge

Eu sei que tenho andado entretida com "a obra" e que, como resultado, tenho abandonado aqueles que visitam este blog essencialmente para conhecerem melhor a Guiné-Bissau ou para matarem saudades do país. Há pois quem se queixe.

Esta minha divisão entre cá e lá está traduzida no próprio nome do blog, criado alguns meses antes do meu regresso a Portugal. Quando descobri o prazer de publicar os posts arrependi-me muitas vezes de não ter inicado o blog antes, pelo menos a partir do momento em que tive acesso à net em casa.

Agora que estou cá, não ponho a hipótese de abandonar os posts sobre a Guiné-Bissau, terra a que fiquei ligada para sempre, e nem sequer de mudar o nome do blog. A minha vida por lá mudou para sempre a minha vida por cá. Portanto, enquanto houver blog, ele será este que será a minha maneira de prestar tributo àquelas gentes de quem tanto gosto.

Mas como percebo que há muito quem queira mais África, prometo criar uma lista de blogs sobre a Guiné-Bissau que incluirei na rubrica "Visito sempre".

Talvez assim seja perdoada.