30 abril 2009

Espelho meu

Estou de regresso a Bissau onde se continua a lutar pela tigela de arroz diário, sorrindo.
A chuva está à porta mas, por enquanto, fala-se mais de eleições, também elas à porta. São demasiados candidatos e por baixo dos sorrisos há inquietação. No dia 28 de Junho se verá. Até lá há que cuidar da imagem, usando os recursos disponíveis. Um dos mais apreciados é o cabeleireiro. Mas há outros de que falarei mais tarde.

28 abril 2009

25 de Abril sempre

E após aquele fim de tarde de Primavera, houve jantar num restaurante nepalês e depois, inesperadamente, festa.
Livros, um certo ar de jazz e cravos encarnados ... uma combinação perfeita. Muita gente, de muitas idades. Uns que já eram adultos em 74, outros ainda não nascidos então. Cantou-se a Grândola Vila Morena e como sempre trocaram-se os versos. Até o Zeca confessou não conseguir decorar a letra!
Foi na nova Ler Devagar, em Alcântara.

27 abril 2009

24 de Abril no Rossio

Foi ao fim da tarde que descobri que o pórtico da igreja de S. Domingos coroa um quarteirão do Rossio, precisamente aquele em que vai nascer um hotel de luxo.
Parece que vão poupar a Pastelaria Suiça. Apesar de ser referida pela Simone de Beauvoir que a visitou durante a guerra e ficou chocada com a quantidade de bolos que por lá havia, é-me totalmente indiferente que a poupem uma vez que autorizaram há anos a completa vandalização do seu interior. Por mim podia ir abaixo se, em troca, fossem poupadas a Manteigaria e Bacalhoaria Silva - reino do peixe seco, da banana-pão e do inhame - que dão aquele ambiente à Praça da Figueira, fazendo recordar que toda ela já foi mercado.
Mas, mais ainda, preocupam-me as medidas que poderão vir a ser tomadas para que o Largo de S. Domingos deixe de ser um pouco de Guiné-Bissau em Lisboa. Há muitas cabeças a considerarem que aquele ponto de encontro não fica bem em zona nobre da cidade, ao lado do Teatro Nacional e de futuros hotéis de luxo.
Pois, por enquanto, ainda me foi dado aquele fim de tarde, preparando o meu regresso a Bissau. Estava lindo o Largo, cheio de gente a conversar e a rir, em frente a uma oliveira que se calhar é do tempo das caravelas, como me disseram serem as de Belém. Pareceu-me reconhecer um certo ar de família.

20 abril 2009

Chiado (3)

Depois dum longo sono do qual se temia que não acordasse, ei-lo cheio de vida, espraiado por transversais, pátios e escadas nascidos das trevas. O S. Carlos e o Fernando Pessoa, em frente, tiveram direito a um largo, em substituição de um parque de automóveis. O Largo Camões e a parte alta da Rua do Alecrim (uma das mais bonitas ruas de Lisboa), e o Largo da Misericórdia e o Largo Bordalo Pinheiro e ... passaram a ser Chiado. Novos cafés e sobretudo muita gente tornaram-no um bairro festivo. Para quando o mesmo para a Baixa pombalina? Será preciso que arda? Algumas coisas faltam para que me considere plenamente satisfeita: Alegria e "luz" na Rua do Carmo. Um novo Martins e Costa (ou equivalente) onde se possam abastecer residentes e passantes, como eu. Não deverá ser uma dessas lojas gourmet espalhadas pela cidade onde entro cheia de vontade de comprar comida e de onde saio desiludida, de mãos vazias, pensando: Hei-de voltar para comprar presentes de Natal. Não, o que eu queria mesmo era uma grande merceeria, repleta de iguarias. Coisa bem diferente. A Livraria Bertrand com hipóteses de sobrevivência, o que às vezes me parece pouco provável. Uma Brasileira onde pudesse beber qualquer coisa na esplanada sem me sentir maltratada e roubada. E, desde há uma semana, gostava que o Quiosque de Refresco que abriu no Largo Camões, assim como os outros dois no Príncipe Real e na Praça das Flores, fosse um grande sucesso. É uma ideia fantástica e merece ser premiada. Para mais informações ver aqui.

13 abril 2009

Chiado (2)

Mais tarde passou a ser caminho para o local de trabalho pois o Largo da Misericórdia continuava a ser arredores. Foram 20 e tal anos a subir a Rua do Carmo, a estudar com cuidado a montra do Martins e Costa com os sacos de sarapilheira cheios de ostras à porta e umas soberbas postas de salmão na montra. Salmão do verdadeiro, pescado no rio Minho, manjar que eu ouvia gabar mas onde nunca meti o dente. Mais acima, havia a paragem obrigatória na Leitaria Garrett ("Esmerado serviço de chá e torradas", lia-se na fachada). Na época não era ainda cantada, embora já fosse também do Vitorino. Mas sobretudo era do João das Baratas, lisboeta dos sete costados, nascido e criado na Rua Ivens, com sala de estar na Leitaria. Saudações efusivas aos conhecidos que chegavam, humor corrosivo dirigido a todos. Era assim o João, com apelido já esquecido. Era das Baratas porque de vez em quando, muito de vez em quando, dignava-se ganhar uns tostões usando uma receita herdada do pai para afugentar as ditas. Este Chiado (2) terminou com o incêndio em 1988, de que tive notícias em Nacala, no norte de Moçambique, enquanto vivia a minha primeira experiência africana. O choque foi enorme e havia boa razão para ele. Aquele Chiado tinha acabado.

10 abril 2009

Chiado (1)

É lá que eu me vejo quando, ao fim de uns meses, a distância começa a pesar um pouco. Tem sido cenário familiar de quase toda a minha vida. Comecei por passear por lá sábado à tarde, durante a minha curta adolescência. Era nessa época composto essencialmente por três ruas e terminava no largo com o seu nome. Fazia parte de um território mais vasto que dava pelo nome de Baixa. Ir à Baixa nas tardes de sábado era nesses tempos um dos programas favoritos para o qual qualquer pretexto servia. Podia ser simplesmente comprar uns botões na Rua dos Retroseiros. Lá íamos de metro até aos Restauradores, estação terminal. Despachado o pretexto, subíamos a Rua do Carmo, na época bem mais animada do que actualmente. Na Rua Garrett imperava a Livraria Bertrand onde eu devorava com os olhos os livros expostos nas bancadas e de vez em quando comprava um Livre de Poche, relíquia adequada ao meu bolso. Era o ambiente que importava, local de escritores com cheiro próprio de grande livraria e um certo silêncio de igreja. A figura de Aquilino Ribeiro, de sobretudo e chapéu, ficou para mim ligada ao Chiado desses tempos. Visitado o Paris em Lisboa, recheado de maravilhas a metro, descíamos a Garrett pelo passeio contrário já que para cima havia o Largo Camões que já não era Chiado mas sim antecâmara de outros lugares onde não era suposto passearmos. Virávamos então para a terceira rua cujo maior atractivo era a Pastelaria Ferrari onde por vezes aterrávamos para lanchar um batido de morango com chantilly, acompanhado por uma sandwish de carne assada, finíssima e aparada, claro está. Quando o passeio era com a minha mãe e não com as amigas incluía entrar na padaria da Calçada do Sacramento para comprar pão que era suposto ser especial, já que a padaria fornecia a casa de Salazar, e na Casa Pereira para nos abastecermos de café a peso. Passados 50 anos é no Chiado que penso quando me imagino em Lisboa e é por lá que passo quase todos os dias, quando chegam as férias. Também agora qualquer pretexto serve.

09 abril 2009

Lisboa

Foi a primeira vez que deixei Bissau desde que iniciei este blog e nada foi aqui anunciado. Escapei-me! Foi bom chegar, embora demore sempre alguns dias a apoderar-me dos sítios. As casas ressentem-se das ausências e por vezes zangam-se. Quanto à cidade, vai-se tecendo o reencontro.