28 junho 2009

Eleições

Os últimos tempos não têm sido fáceis para mim e isso traduziu-se num longo silêncio. Há assuntos difíceis de referir ou por serem demasiado dolorosos ou por serem delicados e não ter ainda chegado a sua hora.
Eterna despedida de um grande amigo. E eu não estava lá.

Mas hoje é dia de eleições e o ambiente é especialmente calmo na cidade. Quero deixar isso registado. A circulação está limitada aos carros com livre trânsito o que permitiu que chegássemos ao centro em poucos minutos. Compreende-se por que razão as ruas estão permanentemente cortadas, ao sabor das deslocações dos presidentes. Apenas durante o mandato de um dos candidatos actuais o Presidente se deslocava ao aeroporto sem corte de estrada. Os batedores bastavam para facilitar a passagem, como em qualquer país democrático. Mas não há dúvida que se chega mais depressa ao destino quando nada temos pela frente.

Nas eleições legislativas de 2004 fui observadora eleitoral, o que me permitiu ter uma das experiências mais fortes de sempre. Fui destacada para a região de Ingoré, para norte do rio Cacheu, já perto do Senegal. Visitei cerca de 30 tabankas, algumas a mais de 20 km da estrada, perdidas no meio de cajueiros, e o que vi foi sempre igual: filas de gente de todas as idades esperando pacientemente pela sua vez, mesas de voto instaladas conforme as regras, representantes dos partidos a cumprirem o seu papel, crachats ao peito de todos. Apenas as pequenas cabinas de voto oferecidas pela UE não tinham sido montadas por ter sido impossível entender como fazê-lo. E para falar verdade não fizeram falta nenhuma já que um pano pendurado numa árvore fez bem o serviço.

Pelo contrário, candeeiros teriam sido muito úteis pois o trabalho bem feito demora tempo e a contagem dos votos obedece a procedimentos que não podem ser abreviados. Abrir o voto, mostrá-lo a todos os membros da mesa, um por um, registar o número de votos em cada candidato, somá-los aos nulos, brancos e boletins não usados não é coisa que se possa fazer a correr e a noite vai caindo. Usaram-se velas mas temos que concordar que não é tarefa fácil. O nervosismo com que se vivia o escurecer era grande.

Hoje acordou-se e olhou-se para o céu e as opiniões dividiam-se, como sempre, entre os optimistas e os pessimistas. Mas, em Bissau, já está mesmo a chover. Se tal acontecer no interior, as mesas de voto ao ar livre vão ter que ser deslocadas e vai anoitecer mais cedo.

Na sexta-feira foi dia dos comícios de fim de campanha, em Bissau. Dois dos três grandes tiveram lugar na mesma avenida, lado a lado. O assunto foi resolvidao da forma mais simples, como sempre acontece por aqui. Esticou-se uma corda entre as duas assistências e apenas estava vedada a passagem, dum espaço para o outro, a quem exibisse símbolos de propaganda (geralmente uma t-shirt). Digam-me em que outro país se podia passar algo semelhante.

E, no entanto, estas eleições têm lugar porque há 3 meses, numa mesma noite, assassinaram o Presidente da República e o Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas. É bom lembrá-lo porque já não se fala, há muito, de tal facto. Terá sido mesmo neste país? Impossível não sentir que há dois países num só, regendo-se por princípios incompatíveis e que essa é a desgraça deste povo.

Escuso de dizer que a expectativa é grande quanto ao resultado das eleições, já que muita coisa no futuro da Guiné-Bissau vai depender dele.

18 junho 2009

Mercados

São para mim um dos interesses maiores de qualquer viagem. Há quem vá aos museus todos os dias e passe horas a admirar maravilhado as obras que conhece há muito. Pois bem, comigo também é assim só que as obras de arte estão sempre a mexer, sorriem mostrando-me as maravilhas que levaram para mim. E eu fico espantada com aquela cor toda e com aquilo que me parecem cenários de um espectáculo que está sempre a acontecer. Mexo-me no meio dos figurantes e sinto-me um deles.

Gosto de todo o tipo de mercados. De legumes, de flores, de velharias, de livros. Até gosto das bancas de ferramentas, eu que jamais saberei o que fazer com elas. Passeei-me por alguns que me marcaram pelo tamanho, pelo exotismo e beleza. Mas encantam-me também outros minúsculos, duas ou três bancas numa esquina de Manhattan, mercado de legumes num bairro chique de Paris.

Em Bissau, temos o célebre Bandim que não sendo muito grande quando comparado com os mercados de Luanda, por exemplo, é suficientemente confuso para merecer uma visita de vez em quando. Só que ultimamente comecei a achá-lo muito pouco guineense, cheio de vendedores dos países da região (senegaleses, conakris e gambianos, sobretudo). Vendedores que não dão tréguas, nos pressionam até à exaustão. Depois de ter sido roubada, quebrou-se o encanto. Nunca mais lá fui.

Antes, contudo, tinha descoberto o mercado do Bairro Militar que me encanta pelo ambiente familiar. Tudo se passa ao ar livre, há artesãos a trabalhar, há vendedeiras com as bancas arrumadas com cuidado. E, sobretudo, há crianças por todo o lado, à volta das famílias, porque as casas de habitação estão mesmo ali. O ambiente é alegre e percebe-se que toda aquela gente nasceu nesta terra e a esta terra pertence.

Gosto muito do mercado do Bairro Militar.

17 junho 2009

Ostras

Declarar que vivo em Bissau causa sempre grande impacto. Surpresa, certamente, mas também curiosidade. No que respeita aos homens da minha geração, há fortes probabilidades de que tenham estado aqui na guerra colonial. E as reacções são sempre entusiastas, o que me intriga muito. Como se pode ter saudades duma terra para onde se foi mandado para fazer a guerra e onde se comeu o pão que o diabo amassou? O clima é péssimo, a colónia foi sempre a mais pobre e mais indesejada, a guerra a mais feroz. O que se passou entre os dois lados para que as memórias se lavassem do horror e persistisse a vontade de voltar?

São sempre as gentes que evocam com grande ternura, diga-se. Depois referem os pequenos prazeres, as vindas a Bissau e ... as ostras. Parece que se comiam em cada canto da cidade, a todas as horas. Durante a minha já longa estadia sempre tive que me deslocar a Quinhamel, a cerca de 30 km, para as comer, o que no início não era fácil dado o mau estado da estrada. Agora descobri que também as há em Bissau, no Oásis, ao pé do que resta do porto.

Para quem gosta das ostras cruas, estas ostras são outra coisa. São postas na chapa para abrirem muito levemente, o suficiente para que se consiga terminar o trabalho à mesa. São pequenas e se quem as assa se descuida transformam-se nuns pedacitos secos e encaracolados.

A experiência de comer ostras na Guiné-Bissau não é pois tão entusiasmante como a de as comer à beira-mar na Bretanha mas é apesar de tudo um programa para quem gosta de cortar a rotina do dia-a-dia. Pormenor muito importante: são servidas com um pires com sumo de limão verde e malagueta picada onde se mergulha o animal. Delicioso!

Em Bissau vendem-se ao sábado de manhã, sempre no mesmo local, à sombra de árvores. E lá estão os limões, ao lado. Naquele dia havia boa disposição por ali e até houve quem ensaiasse uma dança.

Água

A propósito de água registo aqui que teve início há dias a fase da chuva nocturna. Acorda-se de manhã e sob um sol abrasador lá estão as poças de água a atestá-la. Nesta época é ainda mais difícil de aceitar como normal que grande parte da população viva condicionada pela falta de água. Condiciona tudo mas sobretudo o futuro de mulheres e crianças, especialmente raparigas. Muito mais importante do que ir à escola é garantir o abastecimento de água à família o que significa transportá-la à cabeça durante longas caminhadas. Nos bairros de Bissau há aqui e ali um fontanário mas no interior essas caminhadas são muitas vezes de kms.

A escola vem depois e muitas vezes não vem. A água sim, é essencial à sobrevivência de todos.

A vida está assim condicionada pelas dificuldades de acesso à água embora ela, durante meses, vá correr a jorros, arrastando tudo.

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Tivemos hoje a primeira manhã de chuva e tudo indica que ela continuará durante a tarde. Chuva simpática uma vez que esperou pelo fim do III Torneio de ténis da Cooperação Portuguesa e pela pintura do mural da Escola Limpa (ambos os acontecimentos tiveram lugar ontem).

Agora chegou o momento de todos aqueles que se lamentavam por a chuva não ter ainda chegado em força passarem a lamentar a lama, os mosquitos e, claro, a própria chuva.

12 junho 2009

Arcas

Sempre adorei malas de lata que associo a sotãos e a longas viagens de barco, em tempos idos. Pois bem, vim encontrá-las em Bissau, transformadas em objectos decorativos. Dado o pouco artesanato local existente, elas resplandecem à beira da estrada do aeroporto. São feitas por artesãos imigrados e, se conseguirmos explicar-nos, podem mesmo ser feitas por medida. Mesmo com recurso a papel pode não ser tarefa fácil.

Na minha família elas são o sucedâneo da arquinha da minha infância onde eu guardava os fatos das bonecas, primorosamente feitos pela minha mãe, e onde agora residem os meus mapas de viagem. As filhas ainda tiveram umas, feitas por um artesão já bem idoso com oficina no Chiado, mas as netas, de acordo com os tempos de multiculturalidade e globalização, tiveram direito a algo mais exótico.

06 junho 2009

Fruta

Estamos em pleno apogeu da fruta, uma verdadeira orgia ao longo dos passeios do centro de Bissau. As vendedeiras, estrategicamente colocadas, são minhas conhecidas de há muitos anos, chamam-me pelo nome mal me avistam . Para uma delas sou a Heleninha e é especialmente engraçado ouvi-la ao longe ...

Para quem goste de frutos tropicais a Guiné-Bissau é o paraíso porque eles têm aqui um sabor inegualável. As mangas (mangos como aqui se diz), em especial, parecem um outro fruto quando comparadas com aquilo que se vende em Portugal e a que se dá o mesmo nome. Mango de faca, fernandinhos, mango de terra, mango da Índia, são algumas das espécies.

E imginem que há quem compre, à peça, maçãs de aviário, importadas, daquelas em que nem toco em Portugal. Como se pode ter saudades de tal produto?

Tenho planeada para um serão desta semana, uma sessão de cozinhados com uma amiga, para fazermos chutney de manga. Darei aqui conta do resultado.

Nas fotos, de cima para baixo: muitas e variadas, jaca com companhia, abacates, fruta-pinha, papaias, fole e papaias, mangos de faca.

05 junho 2009

Chuva?

A tal chuva que veio na hora marcada desapareceu desde então. O calor é abrasador e a humidade é tanta que até parece ver-se no ar.
Entretanto, espera-se que reapareça em Bissau já que há notícias dela no interior. Sabe-se que não tarda, que deve estar ali mesmo, ao virar da esquina.

03 junho 2009

Jaquim Doido

Fotografia retirada daqui
Parece que o nome é mesmo crycetomis gambianus e que se trata de uma espécie de rato oriundo da África sub-sariana, mais especificamente da Gâmbia que lhe ficou agarrada ao nome. Trata-se de um rato gigante, com cerca de 1,5 kg, que se tornou célebre quando passou a ser utilizado na detecção de minas em Moçambique. Muito mais leve do que o cão, o que evita o rebentamento, consegue como ele detectar a localização da mina anti-pessoal permitindo rendibilizar o trabalho dos técnicos altamente especializados e pagos a peso de ouro. É só preciso treiná-lo para tal.
Por aqui a sua popularidade deriva de coisa bem mais divertida, embora relacionada, e o seu nome transforma-se em conformidade para Jaquim Doido.
Naquele dia de compras no recém-descoberto mercado do Bairro Militar, havia risos e correrias nervosas à volta de um buraco, no fundo do qual um rapazinho tentava pôr a descoberto um Jaquim Doido que teimava em não aparecer. Havia nervoseira no ar pois trata-se de animal que carrega consigo uma história empolgante. Dizem todos que ele rouba objectos, no que segundo penso não é original já que noutras paragens se conta o mesmo das pegas.
Só que neste caso há hipótese de recuperarmos os haveres se embebedarmos o ladrão. Garantem-me que ele (seguramente aos tombos e talvez às gargalhadas) vai à cova onde os guardou e simpaticamente desenterra-os para bem de todos.
Só falta saber como se embebeda o animal se, naquele dia, estava a ser tão difícil apanhá-lo.

02 junho 2009

Acerca de museus (2)

Fotografia retirada de a ervilha cor de rosa

Vivo numa cidade que ainda chora a destruição do Museu Etnográfico Nacional durante o conflito de 1998/99. Vivo num país muito pobre onde o artesanato poderia ser um caminho para jovens desocupados mas onde não há memória.

No meu país querem transformar o Museu de Arte Popular num Museu da Língua Portuguesa. Em vez disso por que não fazer renascer o MAP no edifício que foi criado para ele e cuidar da língua portuguesa em Portugal e nos países onde ela está em perigo? Entre eles não posso deixar de destacar a Guiné-Bissau onde o português é amado por todos e falado por muito poucos.

Quanto ao Museu da Língua Portuguesa, quando houver recursos financeiros que justifiquem tal luxo, será seguramente encontrado um outro local.

Está a correr uma petição para que se salve o MAP. Poderão saber mais aqui.

Pelo Museu de Arte Popular, assinar, assinar!